FLORISVALDO E O MURO

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Lá no Bar do Cochila, os amigos vivem torrando a paciência do Florisvaldo por ele, aos 50 anos de idade, ainda estar solteiro. Aí sempre vem a ladainha do reclamado de que casar é besteira, que o bão mesmo é não ter compromisso sério com nenhuma mulher, que não é como eles que vivem às turras com as esposas por causas pequeníssimas, como, por exemplo, se reunir com os amigos num buteco, e por isso se considera livre, leve e solto e muito feliz com sua solteirice.

Florisvaldo, gerente conceituado de uma concessionária de automóveis na Cidade, reside numa casa confortável no Bairro Santo Antônio. Apesar de abominar compromissos sérios como casamento, ele tem duas paixões femininas em sua casa: sua amada mãe, 80 anos, e a sua cadela Pequinês, de nome Pequitita, 4 anos. Gerenciando a moradia, a Chiquinha, esperta matrona que deixa tudo nos trinques e é muito querida pelos três.

Sempre disposto a aprimorar seus conhecimentos sobre tudo o que tem a ver com automóveis, Florisvaldo, pelo menos três vezes por ano, visita a montadora para participar de cursos e treinamentos. Certa vez, após uma reunião a respeito do desenvolvimento do carro elétrico, quando chegou ao hotel foi logo conferir se tinha mensagens no zap. E lá estava uma da Chiquinha:

– A Pequitita morreu!

Imediatamente o Florisvaldo, desesperado, respondeu, querendo saber o que aconteceu com a Pequitita. A Chiquinha comunicou:

– Sabe-se lá como, ela conseguiu subir no muro do quintal, eu e sua mãe tentamos de todas as formas tirá-la de lá, mas ela corria pelo muro, parece até que estava sentindo saudade do senhor, aí parava um pouquinho, depois começava a correr de novo pelo muro, latindo, e cada vez mais ela corria pelo muro, eu e sua mãe ficamos sem saber o que fazer, até pensamos em pedir ajuda ao Seu Tinoco aqui do lado e, de repente, ela se desequilibrou e caiu, batendo com a cabeça numa daquelas pedronas de decoração, e aí ela ficou paralisada e percebemos que tinha morrido.

Foi um sofrimento para o Florisvaldo ouvir a narrativa da Chiquinha em cascatas. De volta ao lar, bronqueou com ela:

– Foi errado o que você fez, me comunicar essa tragédia com a Pequitita assim, no supetão. Você deveria ter me preparado para a triste notícia, enviando primeiro a mensagem de que ela havia subido no muro, depois, outra, de que ela estava correndo sobre o muro e só depois outra que ela havia caído do muro e morrido. Assim, se tivesse começado apenas pela subida da Pequitita no muro, eu teria assimilado melhor a morte dela com as outras mensagens.

Passado um ano da morte da Pequitita, o Florisvaldo estava em outra reunião na montadora. Foi quando recebeu a mensagem da Chiquinha:

– Sua mãe subiu no muro!

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.

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