Em meados do século 19 havia um povoado às margens do Rio Areado. Não se sabe o motivo, o local foi abandonado pelos moradores e estes erigiram nova povoação que depois se transformou no distrito de Chumbo. A partir de 1880, interessante, houve uma movimentação ao contrário, isto é, alguns moradores de Chumbo voltaram para o antigo local onde já havia um cemitério e uma capelinha. Dizem que Virgílio Chaves foi o primeiro a erguer uma casa e que construiu uma capela maior ao lado do cemitério, denominada Igreja de Imaculada Conceição, depois agregada à Paróquia Nossa Senhora das Dores que ficava no distrito de Chumbo. Logo o novo povoado ficou conhecido pelo nome de Capelinha do Chumbo, este um minério que foi explorado na região¹, apesar de o imaginário popular brincar que o chumbo se refere às mortes passadas na pólvora e que marcavam as paredes do lado de fora da igreja.
Presumivelmente por volta de 1885 outros moradores de Chumbo foram chegando. À frente a família do Major Francisco José da Mota, pai de João Mota, motorista da jardineira que transportava moradores até a Sede. Outros que chegaram: José Amaro Teixeira (Juca Amaro), Franklin Couto, José Marques, Osório Faria, Jacob Benfica (Jacozinho), Joaquim Ferreira, Antônio Felício, José Broca, Jorge Veneroso, Joaquim Luís, João Afonsinho e João Macaco.
Como qualquer outro povoado, Capelinha do Chumbo se inicia com muitas dificuldades, como poeira para todo lado, porcos, bodes, vacas e galinhas zanzando entre os moradores. Não havia lojas de roupas prontas, mas sim de tecidos, como o estabelecimento de Miguel Rabelo Faria. A maioria das famílias possuíam pessoas que sabiam costurar. Com o passar dos anos, foram surgindo botequins, secos e molhados que vendiam de quase tudo, selarias, olarias, alambiques, curtumes, ferrarias (a primeira foi de Miguel Ferreira, descendente de escravos), sapatarias (Neném Moranga), alfaiates (Frei Leopoldo).
O tempo foi passando e outras famílias foram chegando, como Cornélio Benfica, Juca Luís, Manoel Moreira, Dodô, Edson Pena, José Cardoso, Sebastião Mendonça, João Goulart, Lázaro Camilo, Dr. Agripa Vasconcelos (primeiro médico), Sinhazinha, Zé Necreta, Caximba e José Luiz da Silva, além das famílias Tavares, Vargas, Sousa, Paulista, Coimbra e outras.
DEPOIMENTO DA PROFESSORA IVONE GOMES
“Naquele tempo, a rua principal da Capelinha por onde transitávamos, sem asfalto, cobria nossos pés de poeira no verão e quando chovia, de lama. Embora isso nos trouxesse desconforto, era também motivo de boas risadas. A falta de luz elétrica e de água encanada dava-lhe um ar de nostalgia dos tempos antigos. Essas “faltas” eram compensadas, no entanto, por uma gente hospitaleira e amiga que muito me agradava. Quem não gostava de prosear e de tomar um bom cafezinho nas casas dos amigos, à luz de lamparina? E quem, daquela época, não se lembra dos porcos dormindo pelas ruas, cachorros vagando, vacas pastando em algum cantinho? Inúmeras vezes esses “compatriotas” nos pregavam sustos enormes, mas nossa turma alegre e brincalhona achava um jeito de gracejar até mesmo desses momentos inusitados.
Não posso deixar de citar um fato pitoresco: as nossas serenatas em noites de luar que eram uma beleza! Não havia quem não parasse para apreciar ou participar! Nosso palco? As ruas, ou melhor, a rua principal da Capelinha. Canções, duetos e trios reviviam músicas poéticas e imortais e faziam nossa “serenata ao luar” arrancar lágrimas de muita gente.
Os componentes seresteiros eram: Rengo e Tinico com seus violões, Iguarim com sua bela sanfona de 120 baixos, Nenzico Moranga com seu violino e nós as contoras: Terezinha Chaves, Ana Lúcia, Stela e eu, Ivone. Os ensaios eram realizados sempre em Casa de Dona Rosinha, que também nos preparava para os teatros e bailados. Dona Clêdes, que na época era nossa diretora, por ocasião das formaturas do curso primário, convidava figuras de destaque como o vereador José Maria Vaz Borges., sobrinho de um ilustre morador do lugar, senhor Geraldo Banzetti. A mesa examinadora das provas orais era composta por jovens como: Simino, filho do senhor José Tristão − moço muito preparado e cpmpetente. Considerado um grande acontecimento, era sempre arrematado com as tão esperadas peças de teatro e bailes. Em um dos teatros, fantasiei-me de cigana. Lia a sorte e revertia as quantias recebidas para a caixa escolar. Como a maioria das pessoas tinha muita curiosidade de saber sobre o destino, a “cigana” Ivone ganhou uma bela quantia naquele evento!
O baile também era animado pela turma das serestas, juntamente com Naor Moranga (Bolô), que encantava todos com sua voz e seu violão. Lembro-me bem da querida sanfoninha “Giriza” nas mãos do nosso amigo “Martelo” e de como sua bela sonoridade marcava aquelas agraváveis noites.
Não posso esquecer também do “Vai e Vem” do qual participávamos, caminhando da casa da Dona Rosinha até a casa da Zontina. Conversávamos sobre os mais diversos assuntos despreocupadas e alegres! As moças sempre comentavam quando viam, de longe, os filhos do senhor “Bito” (Alberto Coimbra e dona Eloína): lá vem os filhos bonitos do seu Bito! Era uma turma de moços casadoiros e com um deles, casei-me!
Passeios de Canoa no Rio Areado, travessias de pinguelas, as novenas, prendas e festas da Igreja. Tudo isso, são memórias vivas que trago em meu coração e compartilho agora, com todos. E aproveito para convidar, quem quiser, especialmente os que vivenciaram aqueles bons momentos, para uma viagem “relâmpago” de volta para aquele tempo dourado”.
No início da década de 1960 iniciou-se um movimento para elevar Capelinha do Chumbo à categoria de Distrito. Decidiram também mudar o nome da localidade. Pensou-se em Tripolândia, em referência aos três rios da região: Areado, São Bento e Chumbo, que seria a cidade das três ilhas. Mas como o nome foi considerado jocoso, devido à variante tripa, um conselho que tinha à frente os Srs. José Broca e José Rêgo, decidiu-se pelo nome de Major Porto, em homenagem ao Major Augusto Porto, homem de muita influência na região. Assim, através da Lei Estadual n.º 2.764, de 30 de dezembro de 1962, o povoado de Capelinha do Chumbo de ontem se transfigurou no distrito de Major Porto de hoje.
* 1: Leia “Fábrica de Ferro do Areado” e “Documento Sobre a Fábrica de Ferro do Areado”.
* Edição do texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fonte e foto: Livro “Ontem Capelinha… saudades. Hoje, Major Porto, realidade”, do Grupo GDP 2010 − LETRANDO COM HISTÓRIA: Carlos José Coimbra (Diretor da Escola), Marli Aparecida Barbosa Coimbra (Coordenadora do Projeto), Dagma dos Reis Pereira, Darli Aparecida Barbosa Souza, Geralda Helena Coimbra Silva, Gislane Aparecida da Costa, Kelle Cristina Benfica Moreira, Lucica de Fátima Souza Coimbra, Maria Ângela Coimbra Amaral, Maria Antônia de Andrade Lima, Maria Rozilda de Costa e Silva, Marilene da Consolação Coimbra, Mylene da Silva Canedo, Syntia Aparecida Guimarães Matos.