Dr. Laudelino Gomes da Silva é goiano. Chegou a Patos de Minas em 1907, vindo de Paracatu. Aqui casou-se com Zamita Magalhães, filha do Cel. Arthur Thomaz de Magalhães, proprietário do Cine Magalhães. Seu consultório foi montado na Farmácia de Agenor Dias Maciel¹, e dava consultas grátis aos pobres de 8 às 9 da manhã. Morou inicialmente nesse endereço, e depois de casado mudou-se para o antigo Largo do Rosário próximo onde se localiza hoje a Rádio Clube. Em 1916 mudou-se com a família para Franca, no Estado de São Paulo, deixando a população carente de Patos bastante sentida. Seus últimos anos passou-os em Belo Horizonte na Policlínica instalada em 1926.
Durante sua permanência em Patos, exerceu ainda a profissão de jornalista, sendo redator do primeiro jornal impresso na cidade, O Trabalho. No final do ano de 1908, ele teve um imbróglio com a Câmara Municipal, mais especificamente com o Vice-Presidente em exercício Pedro Modesto da Silva. O Presidente eleito foi Olegário Dias Maciel, mas não há registros sobre os motivos do porque Pedro Modesto da Silva estava exercendo a presidência.
Numa matéria publicada naquele jornal em sua edição de 09 de outubro, Dr. Laudelino expõe sua insatisfação:
No anno passado, quando já tinhamos firmado a nossa residencia nesta cidade, fizemos á Camara Municipal, em sessões de legislatura para o exercicio de 1908, um requerimento em que pedíamos que nos fosse relevado o imposto municipal de industria e profissão a que estavamos sujeito como medico, pelo facto de prestarmos o nosso serviço gratuito a pobresa que nos procurava diariamente, como attestal-o-ão o povo e as pharmacias locaes. A camara indeferindo esse nosso requerimento, deu-nos a titulo de gratificação annual, a quantia de 300:000 rs. Ou sejam 25$ por mez.
No nosso requerimento affirmavamos que, concedido ou não o seu deferimento, continuariamos a prestar do mesmo modo os nossos serviços medico-cirurgicos a população indigente do nosso municipio. A situação no entretanto se tornou interessante no orçamento para 908, figurando um medico com um partido feito pela camara para receitar para os pobres mediante a quantia de 600$ annuaes e uma gratificação de 300$ para outro medico.
Resolvido por esse modo o incidente provocado com […]¹ dos 300$000 annuaes em beneficio da instrucção primaria local. Nobresa de espirito e procedimento de alcance geral, visando os filhos dos ricos e dos pobres, só poderiam ser ouvidos ou entendidos pelos que não poupam horas ao beneficio de procurar desfazer as trevas, iniciando-se em um novo marco para o progresso intellectual d’esta terra, se esforçando pela educação das creanças, melhorando as escolas e difundir o ensino pelos meios mais consentaneos com os progressos da pedagogia.
O nosso procedimento destinando aquella importancia ao grupo escolar desta terra, deveria reflectir como um incentivo a vice-presidencia da Camara em effectividade de presidente e não acintosamente sublinhando conveniencias para o orçamento onde só houve manifesta má vontade contra nós, por termos a sobranceiria de reclamar o cumprimento das leis que são entre nós letra morta, e tanto essa foi a conveniencia orçamentaria que o partido do Dr. Euphrasio José Rodrigues que então era de 600$ annuaes, com os 300$000 que a conveniencia orçamentaria foi abrigada a retirar da verba egual com que nos haviam, por alta recreação, abonado!
A má vontade não mirou sé a nossa pessôa, estendeu-se tambem contra esta folha a que se quiz podar a verba destinada para as publicações dos actos da Camara, como é expresso em lei. A vice-presidencia se esforçou tanto a ponto de pleitear no recinto das sessões e fora, antes das votações empenhando-se cabalisticamente com terceiros para obter de segundos appoio a sua guerra o que com vantagem e nobresa foi repelido.
Nós não fugiremos do nosso posto e não haverá conveniencia alguma que nos demoverá de criticar a acção menos hábil e cabalistica do executivo municipal cuja missão ainda não poude ser descortinada pela vice-presidencia em actividade. Si o povo não pode gritar, gritaremos por elle e não deixaremos de esmerilhar os seus prejuízos com a sinecura e o czarismo municipal. O papel que occupamos na avançada do povo pelo alarme que somos o primeiro a dar, como jornalista, não se sentirá esmorecer com os arrancos da prepotencia vice-presidencial.
A polvora foi descoberta pela vice-presidencia declarando que a conveniencia orçamentaria se justificava ainda mais por termos declarado no nosso officio á Camara passada, que prestariamos os nossos serviços gratuitos a pobreza e que por isso, deante de um caso deste, convinha onerar-nos o trabalho e gratificar ainda mais ao nosso distincto collega Dr. Ehphrasio Rodrigues.
Ahi fica succintamente o acto da vice-presidencia em exercicio de presidente da Camara Municipal desta cidade e de Agente Executivo, narrado sem maiores commentarios para que, quando se escrever a historia desta cidade, fique consignado em pagina de honra o diapasão porque se afinou a vice-presidencia nas suas conveniencias orçamentarias.
Não se sabe a opinião dos membros da Câmara Municipal a respeito deste artigo. Fica evidente que ela, a Câmara, retaliou as palavras do Dr. Laudelino três meses após. Esta retaliação fica evidente numa outra matéria do médico, publicada no jornal em sua edição de 31 de janeiro de 1909:
Estamos informados de que o Sr. Vice Presidente e Agente Executivo Municipal, em exercicio, sustou a publicação dos actos da Camara pelo “O Trabalho”.
Todo o mundo sabe que as Camaras Municipaes são obrigadas, por lei estadual vigente, a mandar publicar pela imprensa, onde houver, todos os seus actos, porquanto os dirigentes do poder municipal têm a restricta obrigação de mostrar ao povo porque maneira é empregado o dinheiro arrecadado.
A lei foi previdente nesse sentido; d’outro modo poderiam os presidentes das Camaras gastar a seu bel prazer sem dar satisfação a ninguem, e o povo seria o eterno burro de carga a pagar onerosissimos impostos sem saber a que fim são destinados.
Conhecedor e respeitador da lei, como é o illustre e honrado Dr. Presidente da Camara, mandou consignar no orçamento municipal uma verba destinada a publicação dos actos da Camara, que tem sido aproveitada pelo “O Trabalho”, unico jornal que se publica nesta cidade.
O Sr. Vice-Presidente calcando aos pés uma disposição de lei em vigor, tira-nos essa pequenina quantia, no intuito talvez, de fazer desapparecer este modesto periodico, que se lhe tornou antipathico. Enganou-se. “O Trabalho” proseguirá mantendo-se numa atmosphera de grandes e nobres ideaes, defendendo com ardor os interesses da Collectividade. É este o nosso ponto de apoio, e nelle permaneceremos ainda mesmo com enormes sacrificios.
E assim sendo, temos tranquilla a consciencia por haver contribuído com o maximo de nossas forças, para o desenvolvimento moral e material deste povo.
* 1: Leia “Rua Olegário Maciel na Década de 1930”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fonte: Jornal O Trabalho, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Anúncio publicado em 09/08/2013 com o título “Dr. Laudelino Gomes – 1916”.