“MELHORA DA MORTE” DO MEU PAI COMIGO, A

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TEXTO: EITEL TEIXEIRA DANNEMANN (2022)

24 de junho de 2022, sexta-feira, três horas da tarde, eu estava num apartamento do hospital com meu pai, Fernando Kitizinger Dannemann, nos seus derradeiros momentos de vida, de acordo com as afirmativas médicas. Lá estava ele, sereno e absorto do mundo, inerte. Lá estava eu, olhando-o, 480 mil pensamentos se arvorando em minha mente imaginando quando ele daria o último suspiro para almejar a estrada que o levaria para uma outra dimensão. Eu firme e forte na convicção de que, de repente, ele abriria os olhos e simplesmente diria: − oi, meu filho!

Nada, absolutamente nada, ele continuava sereno e absorto do mundo, inerte.  Uma hora depois, peguei uma de suas mãos e comecei a acariciar sua cabeça e seu rosto. Num estalo, questão de poucos segundos, ele abriu os olhos, arregalou-os e mirou profundamente os meus olhos. Imediatamente, um tremor emocional se apoderou de mim. Ele, encarando-me, tentou pronunciar o meu nome, chamando-me. E assim ficou por pouco mais de um minuto, segurando a minha mão com uma força que eu não entendia de onde ele estava tirando aquela força. Até que ele soltou a minha mão.

Passado um minuto, ele, agitado, voltou a “tentar” pronunciar o meu nome, chamando-me. Segurei sua mão e ele apertou-a ainda com mais força. E não parava, com seus olhos arregalados, de me olhar. Assim, por volta de uns 30 minutos, ficamos, ele olhando para mim, agarrado à minha mão, eu acariciando sua cabeça e seu rosto, até que percebi seus olhos se lacrimejarem. Eu fiquei tão feliz que logo imaginei que ele estava enviando-me uma mensagem que estava se recuperando. Fiz três tentativas de separar as nossas mãos, mas nas três tentativas ele se negou, olhando-me com olhos suplicantes, sempre tentando pronunciar o meu nome.

Pouco tempo depois, ele fez vários movimentos com a cabeça, encarou-me fortemente mais uma vez, tentou pronunciar novamente o meu nome e soltou a minha mão. Fechando os olhos, entrou num sono profundo. Eu logo imaginei uma melhora, um restabelecimento de saúde, que ele estava querendo me transmitir, que estava se recuperando e as tentativas de pronunciar o meu nome eram justamente para me transmitir a sua melhora e assim voltei para casa na maior das felicidades.

Veio o dia 25, sábado, e ele voltou à sua condição de sereno e absorto do mundo, inerte. Assim chegou ao dia 26, domingo, quando fui informado de que ele havia entrado em estado de falência geral de órgãos. Voltei ao hospital e a doutora me explicou a situação, afirmando de que não havia como reverter a situação. Narrei o fato do que eu imaginei uma melhora dele e ela me explicou que se tratava da “melhora da morte”. Assim, Seu Fernando, sereno, absorto do mundo e inerte, varou o dia 26 até as quatro e quarenta e cinco, quando partiu para outra dimensão.

Pesquise sobre a “melhora da morte” e você vai entender o que aconteceu comigo. Quem já perdeu o pai sabe o quanto é atroz. Não tenho a mínima ideia de quantos, antes de perderam os pais, tiveram a oportunidade de viver essa experiência da “melhora da morte”. Eu tive essa experiência. Se foi benéfica ou não para mim, só o tempo dirá!

* Foto: Correiobraziliense.com.br, meramente ilustrativa.

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