CONTRASTE CHOCANTE ENTRE O ANTIGO E O NOVO

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TEXTO: OSWALDO AMORIM (1983)

Tocado há decênios ao sabor do interesse dos loteadores, nosso processo de expansão urbana gerou inquietante contraste: o feitio moderno da parte antiga e o feitio antigo da parte moderna, em termos de arruamento.

A comparação é claramente vantajosa para a primeira, onde há largas ruas e avenidas e múltiplas praças, enquanto na segunda predominam ruas estreitas, poucas avenidas e raras praças.

O contraste deixa de ser curioso para se tornar chocante, quando se leva em conta a crescente necessidade de vias amplas, face à multiplicação dos veículos automotores e do crescimento dos próprios veículos, como ônibus e caminhões, e da aguda necessidade de novas praças para amenizar a vida dos moradores, como ilhas de verde a tranqüilidade dentro da aflição urbana.

O contraste é mais chocante quando se sabe que nossas ruas e avenidas mais largas precederam nosso primeiro automóvel, que aqui chegou em 1913, por iniciativa do Major Gote¹.

Quer dizer, à medida que o alargamento tornava-se cada vez mais necessário, em função da multiplicação dos veículos automotores, as vias públicas, em Patos, foram-se estreitando − pela ação gananciosa dos loteadores e a inação do poder público. Assim, processou-se e continua processando-se a multiplicação dos lotes, à custa do encolhimento das ruas e da supressão das avenidas e praças.

Em 1912, quando não havia um único ônibus, caminhão ou automóvel em Patos, tínhamos ruas admiravelmente largas, como mostram as Ruas Major Gote, Olegário Maciel, Dr. Marcolino, Paracatu (que, de tão ampla, virou avenida). Em 1983, quando a cidade soma mais de oito mil veículos automotores, incluindo carros, utilitários, ônibus, caminhões e motocicletas, a largura de nossas ruas caiu quase a metade daquelas vias.

Isso configura um crime contra a cidade. Um crime perpetrado à vista de todos e ante a passividade geral. Ou alguém candidamente pensa que o estreitamento de nossas ruas foi mera obra do acaso? Do mesmo processo, de inequívoca origem econômica (ou de rapinagem econômica), fazem parte a diminuição das avenidas e praças, em número e dimensão.

Salta à vista, portanto, a necessidade de um elenco de medida para dar a Patos um crescimento ordenado e inteligente, capaz de evitar a deplorável ocupação das áreas alagáveis e, ao mesmo tempo, garantir uma malha viária bem tecida, com ruas e avenidas amplas e bastante área de lazer, para o embelezamento da cidade e o bem estar de seu povo.

Um ponto capital é o cumprimento da exigência de se deixar para o município, em todo o loteamento, uma área nunca inferior a 35 por cento do terreno loteado − destinada à vias públicas e áreas verdes. Não se pode perder de vista que a redução dessa área empobrece a cidade na mesma medida da redução.

Nossos admiráveis antepassados, que traçaram ruas e avenidas amplas e múltiplas praças, superaram essa exigência − muito antes que ela fosse sequer idealizada. Mas a partir de meados deste século, ou mais visivelmente após essa época, a situação começou a mudar e sempre para pior.

Como não é possível reverter essa lamentável tendência apenas evocando o magnífico exemplo de nossos antepassados, o jeito é obrigar os loteadores a respeitar aquela exigência, através de dispositivos legais. Nesse sentido, o município, mediante a inclusão de itens específicos na legislação, pode assegurar-se o direito de tomar do loteador, sem maiores formalidades, a área devida − correspondente à complementação dos 35 por cento da área total. Por exemplo, se o loteador deu apenas 20 por cento, a Prefeitura poderia tirar-lhe os 15 por cento escamoteados. Naturalmente, ela não estaria tirando para si, mas para toda a comunidade, por tratar-se de espaços destinados às vias públicas e áreas verdes.

Na verdade, a justiça comum já dá a qualquer cidadão a possibilidade de anular atos administrativos lesivos ao patrimônio público, através da ação popular, “um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros no gozo de seus direitos cívicos e políticos” − segundo o jurista Hely Lopes Meirelles. Ela permite ao próprio povo “intervir na administração para invalidar atos que lesarem o patrimônio econômico, administrativo, artístico, estético ou histórico da comunidade” − algo que, antes só competia aos órgãos estatais superiores.

Dessa forma, um loteamento aprovado pela Prefeitura em desacordo com as exigências legais − quanto ao mínimo de 35 por cento do terreno para vias públicas e áreas verdes ou quanto à inclusão de uma área alagável, pode motivar uma ação popular, com vistas à anulação do ato. Nesse caso, como em qualquer outro, “a ação deverá ser dirigida contra a entidade lesada e os beneficiários do ato ou contrato lesivo ao patrimônio público”.

Segundo o mesmo autor, “sendo procedente a ação, o Juiz deverá decretar, necessariamente, a invalidade do ato impugnado e as restituições devidas, condenando ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários de seus efeitos (…)”.

Portanto, a lei já contempla, em caso de ação pública, a possibilidade de o prefeito ou qualquer governante ser responsabilizado por um ato administrativo considerado lesivo ao patrimônio público. Mas, certamente, uma lei específica, aprovada pelo legislativo e sancionada pelo executivo municipal, representaria um instrumento muito mais eficaz para impedir qualquer prefeito de incorrer num erro dessa natureza − inclusive para dar-lhe um argumento definitivo para anular mesmo as mais poderosas pressões pela aprovação de loteamentos velhacos.

* 1: Leia “Sesostris Dias Maciel e a 1.ª Estrada de Rodagem”.

* Fonte: Texto publicado com o título “Contraste Chocante” na edição n.º 68 de 30 de abril de 1983 da revista A Debulha, do arquivo de Eitel Teixeira Dannemann, doação de João Marcos Pacheco.

* Foto: Do livro “Patrimônio de Santo Antônio – do Sítio ao Templo”, de Sebastião Cordeiro de Queiroz, publicada em 16/09/2016 com o título “Largos do Rosário e da Matriz em 1915”.

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