SEU HILDÁRIO E O MÉDICO VETERINÁRIO − 3/3

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

– Seu Hildário, o senhor que é um homem vivido e com muita experiência, tem sua maneira de tratar as doenças dos animais. Por um caso existe alguma maneira de evitar que os animais adoeçam?

– Dotô, quandu vêju um animár meu cum argum perrêngui é purque eu isquici di dá a binzida.

– Como assim, Seu Hildário?

– Garotu, é benzê a cria cum muita reza. Uma vêiz pur mêis eu junto todu u gadu e bênzu ês tudím. Si paréci animár perreadu, pódi sabê, naqueli mêis minha cabeça já cansada mi inganô.

– O senhor está dizendo que quando algum animal adoece é porque se esqueceu de dar a benzida do mês.

– Pódi sabê qui é issu mesmu.

– Com toda esta sabedoria e todo o respeito que lhe é merecedor, como, mesmo assim, o senhor consegue ser um homem tão simples, quer dizer, uma pessoa que não é invocada em querer ser mais importante que as outras?

– Ô dotô, é coisa di famía mesmu.

– Posso pedir ao senhor um grande favor?

– Pódi pidí, seu mininu.

– Eu vim até Major Porto para conscientizar os criadores de gado daqui a assinarem um termo de compromisso para a vacinação, que o pessoal da Capital, que acha que entende de coisa da roça, acredita que vai evitar a tal da Febre Aftosa nos animais. Agora eu sei que isso não adianta nada mesmo.

– Seu mininu, êssi pessoá das facurdadi qué chegá até aqui pra furá us côru dus animár cum uma merreca qui num vali nada. Todu u pessoá daqui sabi dissu, é coisa di genti qui num tem nada pra fazê mesmu.

– Concordo plenamente com o senhor. Eu só vim aqui porque faz parte do meu emprego. Eu não posso falar para eles que esse troço não vale nada, né?

– Isso é bão, dotô. Si ocê ficá pur aqui vai aprendê muita coisa pra insiná prêlis. Quem sabi argum dia ocê aprendi arguma coisa cumigu. Tô sintínu qui ocê tá entendênu quem é qui sabi das coisas pur aqui.

– Seu Hildário, só tem uma coisinha.

– O qui é, dotô?

– Eu não posso voltar sem a sua concordância em vacinar o gado. Eu sei que elas não valem nada e o que funciona mesmo para evitar doenças nos animais é uma boa benzedura efetuada pelo senhor.

– Larga aquêis bocó pra lá e vem trabaiá cum a genti, uai.

– Tenho muita vontade mesmo, Seu Hildário, mas no momento não posso. O que eu mais preciso na vida agora é a concordância de todos os criadores desse Distrito em vacinar seus gados.

– Mais seu mininu, o dotô acabô di concordá qui elas num váli di nada.

– Com toda razão, Seu Hildário, mas é que, realmente, eu preciso que todos concordem com a vacinação. Como já sei que o que tem naqueles vidrinhos não funciona, eu tive uma ideia, e por isso preciso da ajuda do senhor. Além do mais, com a vacinação, o Prefeito de Patos de Minas vai ficar com moral lá na Capital. Com isso, quando chegar a época das eleições, o pessoal vai agradecer ajudando na campanha do candidato dele.

– Ô diacho, mininu, i dêsdi quandu nóis pricisa di pulíticu da capitár pra elegê arguém aqui?

– Eu sei disso, Seu Hildário, é que o senhor não entendeu. Quando os políticos da Capital ficarem sabendo que o gado daqui foi vacinado, eles vão liberar mais verbas para o Município. E o Município recebendo mais verbas, Major Porto terá condições de ser beneficiado com melhorias.

– Peraí, garotu, ixplica mió.

– O Governo do Estado tem um controle dos municípios que vacinam ou não vacinam o gado. Todos aqueles que vacinam são privilegiados com verbas especiais. Esta verba vem para a prefeitura. E como o senhor se dá muito bem com o Prefeito e ele é sabedor do respeito que todos daqui de Major Porto tem pelo senhor, é certo que o Prefeito vai retribuir com melhorias aqui.

– Seu mininu, o dotô num é bôbu não. Mais mesmu anssim, êstis tár vidrím num vão sê usadu aqui não. Pra quê qui eu vô furá meus animár cum tróçu qui num vali nada?

– Agora, Seu Hildário, é que entra a minha ideia, e com ela o senhor vai ficar famoso na Capital, quiçá no Brasil todo. Por lá vai correr de boca em boca a fama do Seu Hildário que evita doenças nos animais com benzedura.

– O qui qui ocê tá arrumânu, garotu?

– É muito simples. Com seu poder de reza, o senhor vai benzer todos os vidrinhos que forem enviados para cá. Aí, depois de todos eles benzidos, todos os animais serão vacinados. É tiro e queda que, com os vidrinhos benzidos pelo senhor, nenhum animal vai adoecer.

– I pódi iscrevê aí qui num duéci mesmu.

– Pois então! Eu escrevo no meu relatório, e isso eu vou fazer na frente do senhor, do dentista, do senhor Catito e até do Prefeito se ele quiser estar presente, que todos os vidrinhos serão benzidos pelo senhor. O relatório é um documento que vai atestar a concordância da vacinação. Só que vai estar muito bem escrito nele que os animais serão vacinados com vidrinhos benzidos pelo Seu Hildário. Aí, depois de um tempo, o governo vai perceber que em outros lugares os animais que foram vacinados com os mesmos tipos de vidrinhos continuaram a adoecer, mas, por aqui, nenhum animal estava adoecendo. E todos vão ficar sabendo que não adoeceram porque os vidrinhos usados foram, antes, benzidos pelo senhor.

– Ô seu mininu, ocê vai mesmu iscrevê nêsti tár relatóri qui eu binzi os vidrím?

– Vai ser a única coisa séria nele.

– E us hôme da capitár vai ficá sabênu qui os animár num duéci pur qui fui eu qui binzi?

– Vai estar tudo lá bem escrito e com as testemunhas que citei.

– Seu mininu, manda lógu êsses vidrin pra eu benzê.

Vitória! Além da concordância do Seu Hildário, este prometeu, com o testemunho do dentista prático e do senhor Catito, que todo o rebanho do Distrito de Major Porto seria vacinado. O doutor já estava na fase das despedidas, louco para arrumar as trouxas e voltar para Belo Horizonte, quando ouviu um berreiro:

– Pai! Pai! Pai!

– Ô diachu, num têim coisa qui mi dá mais birra du que gritação. Qui é qui foi, Agenor?

– Pai, a Geruza tá duenti.

– Qui conteceu?

– Sei lá. U Nérso falô qui ela num caga desdi ontônti.

– Vâmu lá vê qui diacho di troço tá aturmentânu a Geruza. Vem dotô, vem aprendê a tratá di vaca.

Foram todos até o curral para apreciar a sabedoria do seu Hildário.

– Ô Geruzinha, qui foi qui ti cumeteu? Ela não caga desdi quandu?

– Disse u Nérso qui desdi ontônti di manhã.

– Vâmu vê. Bem, vâmu fazê uma coisa. Eu já tenhu quasi certeza du qui é. Queru vê agora si o dotô cunsegui discubri o qui perreou a Geruza. Pódi falá, dotô.

– Enquanto o Médico Veterinário fazia uma série de perguntas sobre o manejo diário do animal, Seu Hildário estava encarando-o de lado, analisando cada gesto do doutor. Depois de muitas conjecturas, o doutor caiu na besteira de dizer ao Seu Hildário que precisava fazer alguns exames para juntar à sua analise clínica. Seu Hildário não perdeu a oportunidade:

– Viu só, Agenor? Num tô falânu, seu mininu, qui ocê num sabi é nada mesmu. Si eu fôssi ocê passava uns longus dias aqui pra prendê a discubri as duença dos animár. Si a Geruza tá duenti, pódi sabê qui nêsti mêis eu isqueci di benzê ela. Vê si aprendi essa. Eu vô levantá o rabo da Geruza e ocê vai lá na frenti e abri bem a boca dela.

– Assim tá bom?

– Tá bão inté dimais. Cuidado pra num reganhá di vêiz. Agora é u siguinti. Eu tô levantâno o rabu. Chega pertu da boca e óia bem lá no fúndu. Tá oiando?

– Estou.

– Bão. Ocê tá mi vendu daí?

– Claro que não, né Seu Hildário.

– Pódi sortá, já tá fêitu.

– E aí?

– Seu minino, já sei u qui ela tem.

– Mas Seu Hildário, o senhor pediu para eu abrir a boca da vaca e olhar bem lá para dentro. Aí o senhor levantou o rabo e me perguntou se eu o estava vendo. O que tem isso a ver com o problema da Geruza?

– Prestenção i bota êssis miôlu pra funcioná, garotu. Si eu táva cum rabu da Geruza levantado i cum a cara perto du butão da Geruza e ocê na boca dela oiando lá pra dentru e num mi viu só pódi sê uma coisa.

– Pelamordedeus, Seu Hildário, o que é?

– Nó nas tripa!

Depois dessa, o Médico Veterinário despediu-se educadamente do Seu Hildário, de todos os presentes e tratou de ir logo ao quartinho da Igreja para pegar seus pertences e se mandar. Depois dos agradecimentos ao padre que o acomodou, partiu em direção a Belo Horizonte, feliz da vida pelo dever cumprido com sucesso. Pouco mais de dez quilômetros rodados, parou o carro e descambou a gargalhar com tudo o que ele vivenciou. De repente, sem ele saber o porquê, lhe veio à mente um dito ouvido diversas vezes de um amigo:

– Pacu pequeno, minhoca; Pacu grande, mandioca; Pacu assado, Hipoglós!

Sorridente por ter executado a sua tarefa com galhardia, tomou o rumo da Capital.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Br.depositphotos.com, meramente ilustrativa.

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