INCRÍVEL AVENTURA DE DOIS ÁCAROS, A − 4/4

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

– Você vai dizer pra gente voltar pro nosso lar lá naquele cantinho do colchão que sempre foi seguro pra nós, não é?

– Uai, como você adivinhou?

– Muito simples, meu caro Rivaldo, é porque você é um bundão mesmo.

– Olha, eu já te falei, hêim, sem agressão. Não é por que você é meu amigo que pode ficar me insultando assim.

– Para com isso, Rivaldo, eu estou mesmo bravo contigo. A todo momento você vem com esta ladainha de voltar. E a sua promessa de me acompanhar sem ter medo? Se você resolveu vir, agora aguenta.

– Pra você não dizer que sou chato, vou te acompanhar mais um pouco, tá legal? Depois, com você ou sem você, eu vou retornar, pois estou sentindo um troço esquisito aqui dentro de mim.

– Que negócio de troço esquisito é este, Rivaldo?

– Sei lá, estou pressentindo maus acontecimentos.

– Ora, feche esta matraca e vamos adiante.

Decididos a explorar mais um pedaço daquela imensidão de corpo, os dois ácaros se assustam quando, de longe, vislumbram os pelos pubianos da moça. À primeira vista, ficaram extasiados com tamanha exuberância. Encaram um ao outro, hesitaram uns instantes, mas Wanderley toma a frente e puxou seu amigo pelos braços.

– Para, não precisa me puxar, eu vou, pronto.

– O que é isso, minha gente. Eu nunca tinha visto uma floresta tão grande. Isso ai deve ter quilômetros de comprimento.

– E de largura também. Olha só Wanderley, é engraçado, a floresta fica no meio de dois morros compridos e ela não cresceu pra cima, só vai até o pé do morro.

– Isso está parecendo é um imenso vale. Interessante isso aqui, mas parece até que andaram arrancando um monte destes troncos. Vamos chegar até lá.

– Wanderley, desta vez é sério, pode ficar com raiva e até brigar comigo, mas, de jeito nenhum, eu vou entrar nessa floresta.

– Não, não vou brigar, pode ficar tranquilo. Agora em diante é o seguinte: você vem se quiser. Se não quiser, fica esperando aqui.

– Você perdeu o juízo, vai mesmo entrar na floresta?

– Meu caro Rivaldo, por que sou o líder da turma lá no nosso meio, hêim? Responda-me? Somente porque a turma é composta de ácaros que nem você: medroso!

– Ora, vá lamber sabão.

– Não vou lamber sabão coisa nenhuma e você é muito do medroso mesmo. Nunca, nunquinha em sua vida vai conseguir ser um líder como eu. Onde já se viu, ficar com medo de entrar numa porcaria de floresta só porque é meio escura?

– Tá bom, tá bom, vou te provar que não sou medroso, vamos logo.

– Olha só, o rei da coragem.

– Pode gozar, tá, que eu não ligo a mínima.

E lá se foram os dois por entre os pelos pubianos da moça, extasiados com a exuberância daquilo que presenciavam a cada passo.

– Não te falei que valia todo o esforço possível? Olha só que maravilha de floresta.

– É amigo, sou obrigado a concordar contigo, é mesmo bem vistosa e muito bonita essa floresta.

– Quanta coisa diferente do que a gente está acostumado, e o que deve ter até o final, hêim?

– Wanderley, por um acaso está passando pela sua cabeça ir até o final dessa floresta?

– E eu sou lá algum ácaro de perder tempo na vida, amigo? Depois desta trabalheira danada a gente descobre uma maravilha dessa e você acha que simplesmente vou virar as costas pra esse exemplo de arte da natureza?

– Se é arte da natureza, concordo, mas não é preciso ir até o final. Até aqui já está bom, pois vamos acabar nos perdendo e não conseguir voltar.

– Não senhor, caro amigo, estamos caminhando em linha reta e assim vamos até o final. Depois é só fazermos o mesmo percurso ao contrário. Simples assim, entendeu? Tenho certeza que deve ter algo muito interessante lá adiante. Por isso preciso continuar.

– O que você quer dizer com isso?

– Sei lá, alguma coisa me diz que vou encontrar algo interessante adiante.

– É, e alguma coisa me diz que vamos nos meter numa enorme confusão. Aliás, vamos nos meter, não. Você vai se meter numa grande confusão sozinho, porque nada nesse mundo vai me fazer continuar. E pode falar o que você quiser, não vou continuar.

– Olha aqui Rivaldo, não vou criar caso contigo. Você fica sentadinho aí e eu vou sozinho. Qualquer coisa anormal que aconteça eu dou um grito, ok?

Rivaldo se ajeitou como pôde e Wanderley, com seu ímpeto exploratório incansável, desapareceu das vistas do amigo. Foi nesse exato momento que o moço chega à cama e se põe ao lado da moça. Não demorou muito o colchão tremeu como o mais poderoso de todos os terremotos. Foram minutos terríveis para os dois ácaros, minutos que pareciam uma eternidade. De repente, tudo se acalmou. O moço se levantou e a moça ficou repousada de costas sobre o colchão. Já de volta ao lado do amigo, Wanderley se lamentou:

– Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, Rivaldo! Que raios de coisa foi essa, minha Nossa Senhora Aracnídea?

– Wanderley do céu, estou todo quebrado. Acho que não ficou nada sem quebrar em mim. Eu te falei, eu falei que a gente ia entrar numa enrascada. Eu estava aqui sentadinho, quietinho no meu canto, esperando você voltar, quando, de repente, veio esse imenso terremoto.

– Pois é, aquilo também me pegou desprevenido. Eu estava indo bem, já tinha caminhado um bom trecho quando o chão começou a tremer. Credo em Cruz, Nossa Senhora Aracnídea, foi difícil me agarrar nos troncos pra me segurar. Graças tudo terminou bem.

– Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai…

– Você por um acaso está me escutando, Rivaldo? Quer parar de chorar.

– Wanderley, estou todo quebrado. Acho que vou morrer, acho que não vou dar conta de voltar. Eu falei, eu falei que a gente ia se dar mal.

– Para de choramingar. Por que você ficou sentadinho ai enquanto eu estava passando por um sufoco daqueles? Eu pedi ajuda a você um monte de vezes, cheguei a perder a voz de tanto gritar.

– Ah! é, quer dizer então que você ficou gritando por mim, né? Pois saiba que enquanto você ficava gritando por mim, eu também berrei por você e nada de você aparecer. Ai o terremoto se vai e você aparece pra me dar bronca? Agora estou aqui, todo quebrado, imaginando como vou fazer pra voltar e você vem aí reclamar que eu não fui te ajudar. Tem dó, Wanderley, vai ver se estou lá no final dessa floresta, vai!

Reunindo as últimas forças presentes nos amargurados e sofridos corpos, Wanderley e Rivaldo, os dois ácaros mais corajosos do Universo, abandonam o corpo da moça e após uma sofrida viagem de volta, chegaram ao querido cantinho do colchão, o lar. As narrativas de suas aventuras correm hoje de boca em boca, e eles se tornaram os mais respeitados de sua espécie. Até o presente momento, nenhum outro ácaro tentou repetir o feito de Wanderley e Rivaldo.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Biomax-mep.com.br, meramente ilustrativa.

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