INCRÍVEL AVENTURA DE DOIS ÁCAROS, A − 1/4

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Os ácaros pertencem à classe dos aracnídeos. Eles são responsáveis pela famosa sarna que acomete animais e seres humanos. Nesse grupo de aracnídeos estão presentes os escorpiões, as aranhas, os carrapatos e os piolhos, entre outros, e, é claro, os personagens dessa aventura. Comparando com os exemplos citados, são proporcionalmente muito menores. Na realidade, eles são diminutos, invisíveis a olho nu. E são apontados como os vilões das alergias respiratórias. São temidos por sua presença em alimentos abertos, panos úmidos, armários empoeirados, latas armazenadas, esponjas, superfícies de vidro, no pacote aberto de algodão ou cotonete, na toalha de banho usada e na que fica guardada no armário, nas almofadas, colchões, lençóis, carpetes, cortinas, armários, bichos de pelúcia, enfeites, quadros, tapetes e um mundaréu de outros locais. Eles costumam provocar nas pessoas rinite alérgica, asma e dermatite. Resumindo: são uma praga invisível dentro de cada lar. Dois deles, Wanderley e Rivaldo, amigos inseparáveis, são os protagonistas dessa mirabolante aventura.

Wanderley e Rivaldo estavam profundamente acometidos de uma espécie de tédio com a vida que estavam levando. O tradicional colchão, fonte de alimento diário, já não os satisfazia. Tudo bem que o casal de seres humanos que deitava naquele colchão, com a descamação natural de suas peles fornecendo a principal fonte de proteínas, os mantinham vivos e com saúde. Mas a inexistência de momentos mais, digamos assim, excitantes, estavam transformando os dois em criaturas desanimadas com a vida. Por isso, em mais um daqueles dias tediosos, Wanderley achou por bem tomar uma atitude.

– Vou sumir no mundo!

– O que é isso, Wanderley?

– Já não aguento mais dormir e acordar sempre nesse mesmo local. Assim não dá. Devem existir outros lugares bem melhores que esse.

– Por que a revolta?

– Peraí, Rivaldo, vê se acorda, abra os olhos e enxergue bem à sua volta. O que tem sido a nossa vida ultimamente, hêim? Raciocine bem.

– Olha, pra falar a verdade eu não estou tão contrariado assim como você. Aqui temos nossa família e nossos amigos. Você, por um acaso, já reparou que os seus cinquenta mil irmãos gostam muito de você? Você já reparou que os meus setenta mil irmãos se dão muito bem comigo? E, finalmente, você já reparou que a nossa amizade é muito salutar para nós dois?

– Ô Rivaldo, você não entendeu nada. Além do mais, ontem mesmo você andou reclamando que a sua vida estava meio sem graça.

– Como não entendi nada?

– Não estou me referindo às nossas famílias e muito menos à nossa amizade. Estou apenas querendo dizer que as nossas vidas estão muito monótonas, sacou? Pense comigo: o que fazemos o dia todo? Comer, dormir e juntamente com os nossos parentes provocar alergia nesses dois bobocas que deitam nesse colchão, não é?

– Mas, e daí?

– E daí? Você acha isso interessante?

– Pra falar a verdade, não tenho nada contra, você é que tem que colocar na cabeça que somos apenas ácaros, e que essa é a nossa sina no contexto do mundo.

– Pois eu vou tratar de dar uma agitada na minha vida, nem que seja a última coisa que eu faça.

– O que você está pretendendo fazer?

– Rivaldo, você já prestou atenção no tamanho desse colchão? Já passou pela sua cabeça sair por aí explorando-o?

– É, acho mesmo que você pirou de vez.

– Que pirou coisa nenhuma, você está é com medo de sair por aí numa aventura exploratória.

– Qualé, Wanderley, por um acaso eu tenho medo de alguma coisa?

– Não tem não, é? Então quero ver se você tem coragem de me acompanhar. E já não vou mais perder um segundo. Até logo, pois estou de partida.

– Ô Wanderley, espere aí, não faça isso, ficou louco?

– Até mais amigo, te vejo daqui alguns dias.

– Vem cá, deixa de doidice.

– Tchau, parceiro, estou caindo no trecho.

– Tudo bem, você venceu, eu vou contigo.

No exato momento em que Wanderley e Rivaldo partiram, a moça, após um banho, deitou-se totalmente nua na cama. Os dois ácaros sentiram o tremor quando aquele corpo de mais de sessenta quilos desabou no colchão.

– Minha Nossa Senhora Aracnídea , o que é isso?

– Calma, Rivaldo, por um acaso já está com medo? Ainda dá tempo pra voltar.

– Quer parar com esse negócio de medo, Wanderley. Vai me dizer que você não se assustou com o terremoto?

– Meu caro amigo, isso acontece várias vezes todos os dias e você ainda não se acostumou? Tem dó!

– Tá bom, tá bom, qual o caminho vamos seguir?

– Estou pensando. Viu só, foi a tal moça que deitou.

– E daí?

– E daí que seria um ótimo começo.

– Por um acaso você está pretendendo escalar aquele corpo? Deixa de maluquice, ácaro burro, nós só temos que esperar ela se virar e colocar o nariz perto de nós pra gente provocar alergia nela, só isso.

– Sei disso, bocó, mas a tentação de escalar o corpo é grande demais.

– Está louco, Wanderley, se essa moça sentir uma coceirinha na pele pode nos esmagar com a mão.

– Pelamordedeus, você está careca de saber que para provocar alergia tem que ter um monte de nós e como somos só nós dois vai ser praticamente impossível ela sentir alergia. Deu para entender?

– É, mesmo assim não estou muito a fim de arriscar.

– Mas tá difícil. Que belo acompanhante eu fui arrumar.

– Mas Wanderley, você que sair por aí sem se preocupar com os riscos.

– Rivaldo, vamos deixar uma coisa bem clara: ou você me acompanha sem chiar ou não me acompanha, tá legal?

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Biomax-mep.com.br, meramente ilustrativa.

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