– Eu acho que é até muito macio.
– Está bem evidente que é macio, certo?
– É mesmo muito macio. Nossa, que delícia, dá até pra pular e cair de barriga que não me machuco.
– E então?
– E então o que?
– Essa sua cachola de parcos recursos está tendo alguma ideia?
– Ideia sobre o que, meu caro Wanderley? Espera um pouquinho, deixa eu dar mais uns pulos para…
– Rivaldo!
– O que foi?
– Quer fazer o favor de prestar atenção no que vou dizer.
– Fala, nervosinho.
– Está bem evidente que o solo dessa montanha é bem macio, certo? Assim como aqui em cima, o solo lá de baixo é também bem macio, certo?
– Êpa, peraí, quem me garante que lá em baixo é tão macio quanto aqui em cima?
– Ô raios, nós não estávamos lá em baixo?
– É óbvio.
– E então?
– E então o que?
– Você não percebeu que o solo lá de baixo é tão macio quanto o aqui de cima?
– Não senhor, seu sabe-tudo, aqui em cima é muito mais macio que lá embaixo. Além do mais… que é isso Wanderley… para com isso… não, eu vou cair… aaaaaiiiiiiiiiiiiiiiii.
Num gesto brusco, Wanderley empurrou o amigo e logo a seguir pulou atrás. A queda foi longa e a sensação maravilhosa. A superfície lisa e macia provocava um gostoso atrito nas partes baixas dos ácaros, e o ar batendo contra seus rostos tornou a descida excitante. Quando estatelaram-se harmoniosamente no tórax da moça, Rivaldo se alterou com o amigo.
– Seu cretino, você está querendo me matar?
– Qualé, Rivaldo, você se assustou só quando eu o empurrei, mas até que gostou. Eu bem que reparei o seu largo sorriso na descida.
– Olha aqui, Wanderley, nunca mais faça isso, tá legal?
– Tá bom, tá bom. E agora, vamos pra onde?
– Sem pressa, tá, deixa eu descansar um pouquinho porque meu coração ainda está disparado.
– Nossa, veja só lá, bem lá na frente.
– O que?
– Repara bem, Rivaldo, lá longe, bem na nossa frente, está vendo? Parece um buracão.
– Não estou vendo, além do mais, está muito escuro.
– Vamos!
– Vamos aonde?
– Vamos descobrir que buraco é aquele
– Num vou não.
– Como não vai? Para com essa frescura, você me prometeu que não ia ter mais medo.
– E eu por um acaso estou com medo? Só acho que, daqui, aquele buraco parece meio sinistro.
– Pois então? Afinal de contas nós estamos aqui em cima para descobrir, certo?
– Sei não.
– Pare de ser ranzinza e vamos logo.
Meio ressabiado, Rivaldo resolveu acompanhar seu amigo na longa caminhada. O terreno era amplo, liso, macio e cheiroso. Depois de inúmeras passadas, conseguiram chegar ao umbigo da moça, enfeitado por um pequeno piercing redondo.
– Minha Nossa Senhora Aracnídea, que baita buraco.
– Sou obrigado a concordar contigo. O que terá lá no fundo?
– Wanderley, olha só aquilo.
– O que será aquilo?
No exato momento em que os ácaros estavam bem na beirada do umbigo concentrados no piercing, a moça balançou suavemente o corpo, o suficiente para causar um desequilíbrio total nos dois.
– Wanderley, Wanderley, é outro terremoto…
– Se segura, Rivaldo que vamos caaaaaiiiiiiiiiirrrrrrrrrrrr.
– Machucou-se?
– Até que não, só um pequeno galo na cabeça. O fundo desse buraco não é tão macio quanto lá em cima.
– Esse negócio é mesmo diferente do chão lá de cima, mais duro. O que será isso?
– Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Vamos tratar de cair fora.
– Cair fora, é? Olha só pra cima.
– Wanderley do céu, e agora?
– Calma amigo, está vendo aqueles fios saindo das paredes do buraco?
– Já sei, vamos nos agarrar neles para subir.
– Olha só, não dá para acreditar. E não é que o rapaz tem um pouquinho de miolo na cachola?
– Vai gozar sua mãe, tá bom?
– Sem brigas, sem brigas. Vamos tratar de sair logo desse buraco. Daqui a pouco a gente subindo vem outro terremoto e a gente acaba caindo de novo lá no fundo. Aí é mais outra trabalheira.
Com muito esforço, se agarrando nos finos e sedosos pelos que adornavam o umbigo, os dois ácaros conseguiram voltar para cima do abdome. Exaustos, resolveram tirar uma soneca para descansar braços e pernas. Mas a tranquilidade durou pouco, pois foram acordados quando a moça deu uma leve balançada no corpo.
– Wanderley, eu não quero ser desmancha-prazeres não, mas este negócio está ficando meio perigoso. Posso dar uma sugestão?
– Nem quero saber, eu já sei o que você vai dizer.
– Como você sabe o que eu vou dizer?
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Biomax-mep.com.br, meramente ilustrativa.