ALFREDO BORGES SE REVOLTA CONTRA ADÉLIO DIAS MACIEL

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Datada de 02 de maio de 1911, o Dr. Olympio Borges enviou uma carta ao jornal O Commercio, publicada na edição do dia 07 do mesmo mês, em que faz duras críticas ao Delegado de Polícia¹. Ainda estudante de Medicina, o jovem Adélio Dias Maciel resolveu tomar as dores do agente da lei, e usando as páginas do jornal Cidade do Patrocinio, criticou a carta. Sem sabermos qual o conteúdo da contestação do Adélio, o Dr. Olympio reagiu com uma pequena nota que foi publicada na edição de 25 de junho d’O Commercio². O proprietário do jornal, Alfredo Borges, que comumente usava o pseudônimo Zé Ninguem em seus artigos, comentou sobre o assunto. E novamente, Adelio Dias Maciel desceu a lenha através do mesmo jornal Cidade do Patrocinio, dessa vez em cima do Alfredo. Também sem sabermos o conteúdo, a certeza é que o jovem estudante foi além da crítica e ofendeu a honra do Alfredo, nesse que é apenas um dos inúmeros imbróglios envolvendo as famílias Borges e Maciel. Eis a resposta do Alfredo, onde ele não economizou nas palavras:

Ha ataques a que só se responde com um afago, conforme a especie daquelle que nos aggride; outros ha, porém, a que é preciso se dê uma repulsa em proporção da aggressão e de accordo com a investida: − Dente a dente, é o caso!…

Dente a dente, pois, responderei ao verrinario Adelio Maciel.

Não me offendem os nojentos insultos que elle me atira em seu ultimo artigo porque, como tambem me doutrina alguem, nada perdemos com o que nos dizem os nossos desafetos; estes, porém, é que, pela bocca immunda e feia, vomitão, com suas palavras, o virus de que se achão empestados, segundo a natureza que lhes é propria, mostrando assim o fundo dessa vasilha.

A’ lua, dizem, não chega nunca a asquerosa baba do immundo sapo e nem o ladrar perdido do vadio Cão! É um ditado. Em todo caso, só pelo gosto de mostrar ao tal Adelio que sou tambem malcreado e atrevido, e que não ligo importancia aos seus desfenetaveis arreganhos, vou fazer-lhe mais este artigo.

E’ com pezar gastar esta pouca de cêra com semelhante defuncto; mas è preciso que eu deixe, momentaneamente, de parte, o meu toucinho e mostre-lhe que com seus ameaços não farà nunca que eu me recue à ultima morada!… Emquanto elle, em vez de estudar mais para aprender melhor como se faz Uma receita sal amargo!!! vier amolar-me com seus insultos, ha de sempre, sempre encontrar-me prompto para uma resposta ao pé da letra!… Sò tem elle um meio de fazer-me recuar: arranque-me da mão a penna atirando-me na valla commum.

Para isto ha muitos meios, que, talvez, conheça elle e de que poderá utilisar-se, à vontade.

Emquanto insultar-me, porém, pode contar com minha repulsa, porque não lhe temo os botes mal contidos.

E fique elle certo de que ha dois scepticismos mui perigosos, na vida do homem: um que ataca o espirito privando-o da crença na vida futura e outro que, atacando igualmente a alma, fal-a descrente da vida presente. Eu, infeliz ou felizmente, nem sei, sou uma das victimas do scepticismo n.º 2: é-me, portanto, indifferente deixar de ler, de uma hora para outra, seus cambronicos artigos, e baixar de facto, á ultima morada commum.

Disto, todavia, a temer-lhe suas carêtas vão bem longos dias de viagem e eu não me sinto disposto para emprehender agora tão penosa peregrinação!

Dente a dente, é o que é!…

Dizes tù, sabidamente, que teus artigos são fabricados para gente mais entendida do que eu. Admiro-me de tão inqualificavel presunção e de tão requintado pedantismo; mas… que digo?… Não me admiro, em ti, de cousa alguma!… Em teus bem alinhados rabiscos até hoje nada surgiu que ao menos despertasse a attenção a não ser pela virulencia pestifera de teus insultos soezes, e nada de aproveitável, siquer; unicamente, do 1º a ultimo, uma argamassa de termos bebidos nas viellas esconsas do ultimo bairro do Rio e outros aprendidos nos corredores da Santa Casa de Misericordia, talvez com os compradores de gallinhas para os doentes. O que tens escripto tão banal é que está ao alcance até de teu colega “Cherubino” e de teu não menos illustre companheiro de medicina o “Missias”.

Orgulha-te, ò Patos, Patria minha bem amada, porque, apezar de tua pequenez entre as mais Cidades Mineiras, bem ditosa és, contando, entre teus filhos, scientistas de tal jaez!

Não assumi a defeza do Sr. Olympio Borges; citei, simplesmente, o que mixordiaste, e fil-o como prova de tua estulta parvoíce.

Elle, o Sr. Olympio Borges, dispensa de bom grado meu patrocinio: Sabe o que faz e prefere dár ao desprezo teus commentarios : eu, portanto, não pretendi deffender quem tem a mais ampla defesa no seio da sociedade onde vive, e, si fosse esta minha intenção fal-o-ia levado sò pelos mais nobres sentimentos que me dão direito de assumir, em qualquer terreno, a deffesa daquelle senhor, sem que para isso seja-me preciso pedir-lhe licença e nem a ti dar satisfação de especie alguma. Teria ainda a meu lado, como tenho, toda a sociedade que appoiaria meu procedimento, de menos unicamente quem, como tú, por motivos inconfessaveis e que não podem sahir á luz nas columnas do O Commercio vem desenvolvendo uma campanha apparentemente de defesa de autoridades mas que no fundo não passa da paga á uma divida contrahida, ás horas mortas, nas ruas desta Cidade!…

Comprehendi, perfeitamente, tua intenção com o emprego do tal “V. Excia.” em parte de teu artigo. Entendeste que eu, sobre o assumpto, escrevêra a pedido de terceiro. Engano de creança.

A não ser eu, pódes te convencer de que ninguem, e muito menos quem procuraste ferir com teu V. Excia. nunca concorrera para a exhibição do cinismo com que pretendes popularisar teu nome, sob teus artigos ultra bem lançados embóra que modestos; eu, porem, estou a tua disposição para auxiliar-te nesta empresa.

Talvez o consigas; mas onde chegar o teu nome ha de tambem chegar o grato perfume das materias fecaes que pela bocca vomitas contra mim.

Tu te enganas, rapazola, com a proposição de que tenho perdido bôas noites de somno e estive quasi a desvencilhar-me de meu pseudonymo. A prova, para quem sabe collocar os pontos nos ii, de que tal não se deu e de que é unicamente phantasmagoria tua, está neste e nos anteriores artigos meus: Não te temo como pensas. Temo simplesmente, ser levado, ex-temporaneamente, ao mundo das estrellas: mas isto todos nós tememos, mesmo por que o presente do indicativo do verbo temer rèsa assim: Eu temo; tu temes; elle teme; nós tememos; vòs temeis; e elles temem.

Por este motivo não me infundem maior terrôr tuas ameaças!

Assim, embòra tenhas já prevenido espaço na “Cidade do Patrocinio” para cantar Nenias sobre mim, quando baixar à campa, sei que não passa de troça de estudante, principalmente conhecendo eu teu tão pombalico coração − E’ troça, é troça, Rapaz!…

E nem póde deixar de ser, porque nós ambos, ao que consta, em vez de Jouppe-Cullote usamos pantalonas e, como quem tem calça corre e tambem tem mêdo… não posso deixar de acreditar que è realmente troça!

Não dar-te-ei nunca o prazer de solletrar meu nome, em lettras de forma, por baixo de meus artigos desta secção.

Pòdes tirar teu cavallo da chuva que semelhante honra, a não ser perante os tribunaes de nossa Patria, jamais te concederei.

O Pseudonymo é garantido pelo nosso pacto fundamental promulgado a 24 de Fevereiro de 1891 e não seràs tú que ha de fazer-me abdicar deste direito.

Pouco se me dá que saibas ou não quem seja Zé Ninguem; quero, entretanto, que te certifiques de quem bem tranquillas são minhas noites de somno, como agitados tem sido tuas vigilias semanaes.

Não arvorei-me em preceptor de bom tom; talvez pudesse fazel-o porque, mesmo entre os carroceiros mais villipendiados pela sorte, encontra-se, ás vezes, individuo que em materia de educação pòde dar licções a muitos estudantinhos de medicina, cujo único alvo è a conquista de um amarrotado pergaminho que lhe dê o direito de, impunemente, virem disimar a humanidade sertaneja que, em sua maioria, não está ainda na altura de apreciar a incompetencia de seus Esculapios.

Não exijo e nem quero o que não mereço; faço, porém, questão de ser tratado como faço a ti e a quem quer que seja; e, si reclamei contra o tratamento que me deste foi porque vi empregados, dirigidos a mim, termos só usados pelos caipiras de nossa plebe e pelos carroceiros de tua segunda Patria!

Desculpo-te, todavia! O convivio com semelhante gente faz destas cousas, infiltrando em nosso organismo seus usos e costumes.

Pelo simples contagio com teus artigos vês perfeitamente que eu mesmo já me vou amoldando a taes influencias de meio…

Pòdes espandir a tua vontade porque no Circo de Cavallinhos não ha risos e nem pilherias quando o palhaço é mudo. Deste-me, acintosamente um V. Excia. que eu muito agradeço, embóra prefiro ver-te no teu elemento peculiar porque, é bem que o saibas − timeo Danaos et dona ferentes³!

O latim citado não se encontra no Cathecismo do Sr. Bispo; está, porèm, à linha?…folhas?… Volume?… Do autor?… Não digo o nome do autor porque é materia que te leva […] ao nariz: de latim, comtigo, é como se conversou; nem ao menos os aphorismos de Hypocrates, talvez tu saibas!

Não estranho que meus artigos sejam por ti considerados um acervo de sandices e tratantices porque sempre e em toda a parte è costume assim qualificar-se uma verdade que desagrada ou um facto que contraria! Inclusive tua alteza, todos em Patos, sabem quem é Zé Ninguem e eu não faço mesmo misterio disto.

E’ um pseudonymo que adoptei e que em nada me APADRINHA.

Só existe elle nas collumnas do “O Commercio”, para os leitores de fóra e não para os da Cidade, que bem o sabem. Assim acho que em nada me apadrinha meu pseudonymo como tu sabes tambem quem seja meu verdadeiro padrinho.

Achas, então, que mimoseei-te com tratantices e que tenho, como tu, uma cara de hospedeiro?

Pois, collega, vais ouvir minha resposta. Só tu, até hoje, reconheceste em mim semelhante qualidade porque não conheces termo mais delicado e tua educação, feita nas ruas das Capitaes, não te permite avaliar o peso de tal offensa. Convicto de que nada mais posso esperar de ti, porque dás tudo que tens, devolvo-te intacto o insulto, certo de que, para quem nos conhece, elle irá bem direitinho a tua cára.

Entre teus patrícios nem um só encontrarás, que secunde teu insulto, a não ser que o impeste primeiro de teu vírus contagioso!

Tu, porem, gosas de muito bom nome aqui e eu não quero movel-o de forma alguma; digo-te só isto: és bem conhecido e quem não te conhecer que te compre.

Quanto a tratantices, collega, é só.

Uma explicação:

Móro, com negocio4, em uma casa cujo chefe, gratuitamente e como favôr, fornece commodos aos srs. viajantes.

Aproveitou-se o colega desta circunstancia de minha vida, para atirar-me, pela “Cidade do Patrocinio” seu baixo insulto, nascido de uma alma bastante vil que julga offender-me com a propria profissão que suppõe exerceu eu, alma tão réles que desconhece que toda profissão é honrosa e dignificante uma vez exercida com caracter e probidade.

Vou fazer cahir em suas violaceas faces, a baba que pretendeste atirar-me.

E’ deshonra exercer alguem a profissão de hospedeiro?!!…

Escuta lá, Dr.

Tens em sua propria familia quem, como eu, assim o faz.

Teu tio, Major Sesostris Dias Maciel, não se julga villipendiado, fornecendo, como eu, a seus amigos, freguezes e viajantes, commodos para se hospedarem; teu irmão, empregado ou interessado do Major Sesostris, naturalmente não é um deshonrado pelo simples facto de ser, como eu, Caixeiro de venda, vendedor de toucinho e hospedeiro, já que mora com quem fornece commodo; teu tio, o Cap. Aurelio Mendonça, por ter explorado em tempos idos, aquelle ramo de negocio, com dignidade, probidade e honra, não é menos perante o conceito da sociedade onde vive, que o acata como merece; o Cap. Virgilio Cançado, que tambem, gratuitamente, teve no Carmo do Paranahyba, commodos para viajantes, não se considera por isso offendido em sua dignidade; todos que vivem unidos aos cidadãos supra citados gozão até hoje do mesmo prestigio e acatamento a que têm incontestavel direito. E terão todos elles, como eu, cara de hospedeiro?…

E é com semelhante parvoice que pretendes offender-me em meus melindres?

E não sabes, ingenuo, que o insulto que me atiras vai justamente cahir sobre tua pessôa porque si é deshonra exercer-se a profissão de hospedeiro, si é deshonra morar-se em cada onde se fornecem commodos a viajantes insultando-me insultas os proprios teus, insultas os entes mais caros a teu coração de moço?……

Parvo! Não insultes a profissão alheia, por mais modesta que seja!

E’ assim que respondo os teus botes; é assim que faço de volta a pedra que procuras-te atirar-me. E saibas que ha muito hospedeiro honrado que hospeda muito cartola alta que só serve para ocultar ás vistas pesquisantes o rosto de muitos valdevinos.

Quando te formares far-te-ei bom ordenado a fim de que sejas o porta-banhos dos caixeiros viajantes. Tens geito e càra para este mister e os viajantes daqui só aprecião, para fricções, mãos assetinadas como as tuas e não as callejadas pelo labôr honrado e dignificante.

Sou, de facto, toucinheiro como dizes e com tal profissão muito me orgulho porque è della que tiro o sufficiente para minha manutenção e dos meus, sem que me torne preciso ir bater a tua porta, mendigando a migalha de tuas sobras.

E’ profissão que a ninguem deshonra; ao contrario, quasi sempre, são os honrados toucinheiros os victimas passivas de muitos porta-luvas enfatuados, cuja barriga recente-se ás vezes do precioso lubrificante.

E todos meus colegas toucinheiros são pessôas de posição definida em nossa sociedade e gozão de geral estima: são muitos os que me fazem companhia −

Deixo de citar seus nomes porque seria um nunca acabar; simplesmente aconselho-te que perguntes ao teu respeitavel progenitor si não foi elle, até a pouco, um dos maiores negociantes deste genero a que olhas com tanto desdém.

E convença-te de que não é a companhia que aponto que honra profissão, não! Cito-a, porém, para que jamais procure atirar á face de quem quer que seja, como insulto ou como offensa, um meio de vida que é explorado pelos proprios teus e nem cogites de fazer sangrar, em corpo alheio, as feridas de que tens coberto o corpo.

E’ com o producto deste negocio que hei de procurar, no futuro, educar os meus Zezinhos, como engraçadamente os apellidas.

A primeira vista parecer-te-á pouco importante meu desejo e não muito honroso o meio que emprego; todavia, nem todos assim o são e nem todos assim o foram.

Ser-me-á muito mais nobre ouvir dizer um dia que meus filhos forão educados com o producto de meu toucinho do que ter de me corar ante a verdade de que o forão com o producto do toucinho alheio. Com os Zezinhos assim farei e tú tambem deves procurar fazer o mesmo com teus doutores. Cambucasinhos si è que os venhas ter.

Cambucá é uma fructa lá do sertão cujo nome aqui é dado ao Adelio: Dr. Cambucá. Seus filhos, como os meus Zezinhos, hão de ser forçosamente os − Cambucasinhos. Eh! Eh! Eh!…

Meus filhos, os Zezinhos, a quem com tanto nôjo te referes são, a gosto ou contra gosto teu, sobrinhos de tua virtuosa Mãe; e, si podem, em teus insultos, ser assim tratados, podem-no igualmente os teus − in fieri5.

* 1: Leia “Olympio Borges se Revolta Contra a Polícia em 1911”.

* 2: Leia “Olympio Borges vs. Adélio Dias Maciel − 1911”.

* 3: Temo os gregos ainda quando oferecem presentes. Episódio da Eneida, II, 49, que se refere ao famoso cavalo de Tróia, deixado como oferta aos deuses. Virgílio atribui a frase ao sacerdote de Laocoonte.

* 4: Alfredo Borges, além de jornalista, proprietário de O Commercio, da Gráfica Officina de Obras (onde imprimia o jornal), ainda labutou com suas Casas Azues, um típico secos e molhados da época que vendia de tudo, e ainda da Papelaria São José.

* 5: Em via de se tornar.

* Texto: Introdução de Eitel Teixeira Dannemann. Após, de Alfredo Borges, publicado na coluna Usos e Abusos da edição de 20 de agosto de 1911 do jornal O Commercio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Fotos: Trechos do texto original.

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