Clóvis Simões Cunha é um homem determinado. Acima de tudo, dotado de muita dignidade. Nasceu em Paracatu no dia 30 de julho de 1924. Aos vinte anos já dominava o ofício da marcenaria. Mas a cidade natal não oferecia boas condições de trabalho. Conhecido do comerciante Virgílio Rabelo (Jiló), este lhe propôs trabalhar na marcenaria de seu irmão na cidade de Patrocínio. Clóvis não titubeou, aceitando de prontidão a proposta.
No dia 1º de maio de 1940, Virgílio, que transportaria uma carga para Patrocínio, aproveitou para levar Clóvis rumo ao emprego prometido. Chegando a Patos, o caminhão apresentou um problema mecânico. Havia uma oficina na Rua Tenente Bino. Em frente, ficava os fundos da marcenaria dos irmãos Carvalho (a frente era na Rua General Osório onde funcionou o Cine Glória). Clóvis resolveu conferir. Lá de dentro, veio Noé Carvalho e perguntou se o menino estava procurando emprego. Clóvis disse que sim. Seis meses após já era gerente da empresa.
Virgílio Rabelo não se opôs à decisão de Clóvis. Muito pelo contrário, apoiou, pois sabia que o amigo teria melhores oportunidades em Patos. Na mesma rua funcionavam duas pensões: a Mineira e outra de Ilídio Pereira. Mas Virgílio, conhecido de Dona Otavina do Joaquim Pintado, que tinha uma pensão de preços módicos situada na esquina da mesma rua com o então Largo da Matriz (hoje Praça Dom Eduardo), onde funcionou a Casa do Hugo (hoje Colégio N. S. de Fátima), levo-o até lá. O menino foi praticamente adotado por Dona Otavina.
Assim foi a chegada de Clóvis Simões Cunha a… Guaratinga. Sim, Guaratinga, pois no dia de sua chegada o nome de Patos havia sido mudado de acordo com o decreto n.º 1.058, de 31 de dezembro de 1943¹. Clóvis, sem estudos, sempre trabalhando com marcenaria, venceu, cresceu e se tornou um homem realizado, e, acima de tudo, respeitado em Patos de Minas por sua dignidade.
Em 30 de janeiro de 1944, Clóvis, já plenamente estabelecido no novo lar, escreveu uma carta a seu irmão de Paracatu. Esta carta tem valor histórico por dois motivos: primeiro, por constar no cabeçalho o nome Guaratinga; segundo, pelo teor moral nela contido. A carta, debilitada pelo tempo, está aqui publicada, com a ajuda do próprio autor para traduzi-la.
Guaratinga, 30 de janeiro de 1944
Querido irmão,
Por intermédio do nosso patrício, recebi sua carta na qual acusa o recebimento da minha. Não sabes quanto fiquei satisfeito em saber que está de acordo comigo, sobretudo de vir para aqui, que é todo […], note bem vou […] para você aqui o serviço e quero que venha mais breve possível. Gentil, como sabes o nosso Paracatu não dá futuro e, principalmente para nós rapazes, é uma terra boa e não para ganhar a vida e outra é que ninguém é profeta em sua terra, e sendo assim não é vantagem ficar […] bem como daí sair, e o hoje como estou só me causa aborrecimento estando no rol dos preguiçosos, beberrões e malandros, e se assim não estou devo à minha saída. Muito bom o Ziza saiu hoje para cá com sua […] eu conversando com ele perguntei por você, este me disse que você o tinha largado sem motivo, e não mais me explicou sobre seu assunto.
Terminando envio lembranças à mamãe que não sabe que recebi carta de minha irmã, à […], tia Jovita e filhos, tia Júlia, Nely, Milim, Wilson, Gessy, Hamilton, Chico Banha,Tim, senhor Joãozinho, Badinho, Lincol, Tarquínio, Otto, […] e outros, sem mais deste um forte abraço do irmão que nunca esquece.
(a) Clóvis Simões Cunha
* 1: Leia “O dia em que Patos deixou de ser Patos”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fonte: Clóvis Simões Cunha.
* Carta: Arquivo de Marcos Simões Cunha, filho de Clóvis.