Muitas bocas maledicentes apontam o Astolfo¹ como o sujeito mais unha de vaca de Patos de Minas. Outras, discordantes, afirmam que a coisa é mais em cima, isto é, que na realidade o patense mais pão duro é o Clarimundo, o pai do Astolfo². Eis que as discursões se amontoam no caos quando uma terceira pessoa é envolvida: o tio do Astolfo. Dizem que Seu Florêncio, se não o mais avaro da família, se iguala ao irmão e ao sobrinho nessa desagradável característica pessoal.
Certa vez, Padre Geraldo estava organizando o escritório da paróquia quando se deparou com o livro de anotações dos comerciantes que já haviam contribuído para o Natal dos necessitados. E nele, percebeu algo interessante a respeito do Seu Florêncio. Por uma feliz coincidência, naquele mesmo dia, em frente à Escola Normal, o padre cruzou com o muquirana:
– Boa tarde, Seu Florêncio.
– Boa tarde, Padre Geraldo, sua bênção.
Esperto ao extremo, já imaginando algum pedido de donativo, Seu Florêncio quis adiantar o passo, mas o padre foi mais rápido:
– Seu Florêncio, está registrado na paróquia que, apesar do senhor ser um comerciante muito bem sucedido na Cidade, nunca contribuiu para o Natal dos pobres.
– Padre Geraldo, eu nem sabia que estava registrado na paróquia como doador de coisas para os pobres.
– Pois é, Seu Florêncio, por que, com tantas condições para tal, nunca ajudou os pobres?
Seu Florêncio se ajeitou, mediu as palavras e disse:
– Padre, já te contaram que o marido da nossa empregada precisa fazer uma cirurgia que custa mais de 25 mil reais? Alguma vez chegou aos seus ouvidos que o meu sócio sofreu um acidente de carro com perda total e o seguro estava vencido? Já te disseram que a minha prima está com câncer de útero em estado avançado?
Aos ouvir esses queixumes, Padre Geraldo se constrangeu:
– Desculpe-me, Seu Florêncio, por ter tocado nesse assunto num momento de muita dor para o senhor.
Seu Florêncio respondeu com firmeza:
– Nada disso, Padre, momento de dor algum, é que se eu nunca dei um centavo para ajudar essas pessoas que citei, você acha que vou ajudar Natal de pobre?
Dizendo isso, Seu Florêncio girou nos calcanhares e se mandou, deixando o Padre Geraldo boquiaberto por longos minutos.
* 1: Leia “A Sovinice do Astolfo”.
* 2: Leia “A Sovinice do Pai do Astolfo”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.