A Arara-canindé (Ara ararauna), também conhecida como arara-de-barriga-amarela, arari, arara-amarela, arara-azul-e-amarela, araraí e canindé, é uma das mais conhecidas representantes do gênero Ara. Pesa cerca de 1,1 kg e chega a medir até noventa centímetros de comprimento, com partes superiores azuis e inferiores amarelas, alto da cabeça verde, fileiras de penas faciais negras sobre o rosto glabro e branco, olhos de íris amarela e garganta negra. Têm uma longa cauda triangular, asas largas, um bico escuro grande e forte e as típicas patas zigodáctilas dos psitacídeos, com dois pares de dedos opostos, o que lhes dá grande destreza para escalar árvores e manipular os alimentos. Seu grito típico é um RRAAAAK gutural e áspero com entonação ascendente, mas podem produzir diversas outras vocalizações mais anasaladas e musicais.
Ocorre em uma grande região da América do Sul a leste da Cordilheira dos Andes, concentrada na região amazônica até o norte do Paraguai e Bolívia, mas chegando ao litoral somente no norte do continente, entre o Pará e a Venezuela. Também é encontrada em ilhas de ocorrência no sul do Panamá, Peru, Equador e Colômbia. No Pantanal, sua ocorrência é rara. Graças a essa vasta distribuição e grande população estimada, esta espécie ainda não está em condição de ameaça imediata, mas sua população vem declinando diante da destruição do ambiente e do comércio intenso, muitas vezes ilegal, sendo procurada em todo o mundo como animal de companhia por sua docilidade em cativeiro e grande beleza.
Na natureza vivem em habitats variados, desde a floresta tropical úmida até savanas secas, preferencialmente no estrato arbóreo superior e em proximidade da água. São gregárias e barulhentas, podendo viver em comunidades numerosas, mas grupos pequenos ou mesmo apenas casais com crias também são comuns. Voam em pares ou em grupos de três indivíduos, frouxamente ligados a um grupo maior. São grandes voadoras e podem transpor grandes distâncias entre os locais de repouso e nidificação e os de alimentação a cada manhã e tardinha, e tipicamente seus gritos são ouvidos muito antes de as aves serem vistas. Uma vez que formam casal, não mais se separam. Nidificam a cada dois anos entre agosto e janeiro, em buracos que escavam nos troncos de árvores e palmeiras. A serragem resultante se acumula no fundo e serve para secar as fezes e acolchoar os ovos, em geral dois, podendo chegar a cinco, que a fêmea, principalmente, choca por cerca de 25 dias. O macho alimenta a fêmea durante este período e protege o ninho de invasores. Os filhotes nascem implumes, cegos e indefesos, e são alimentados por ambos os pais com frutas e sementes regurgitadas, permanecendo no ninho por três meses. Mesmo depois de aprenderem a voar as crias permanecem com os pais por até um ano inteiro, e atingem a maturidade sexual somente depois de três ou quatro anos.
Alimentam-se de sementes e frutos, incluindo o buriti (Mauritia flexuosa), o cajuzinho (Anacardium humile), o iriri (Allagoptera leucocalyx) e a gabiroba (Campomanesia adamantinum), de preferência ainda verdes, a despeito das toxinas ou do sabor desagradável que tais alimentos possam ter. Reúnem-se em grandes bandos em encostas argilosas expostas para ingerir argila, necessária para eliminarem toxinas da dieta e para enriquecê-la com um suplemento de elementos minerais. Têm grande força no bico, possibilitando-lhes abrir sementes de casca muito dura, como a castanha-do-pará.
Bem cuidadas, podem viver até 70 anos em cativeiro, mas sua criação é bastante trabalhosa, pois são aves grandes que exigem amplas instalações e precisam de muito estímulo na forma de socialização com o criador; pessoas que passam a maior parte do dia fora de casa não devem manter esta espécie em cativeiro, além de ser imprescindível oferecer-lhes brinquedos diversos com que possam se exercitar e manter-se ocupadas em outros horários. Podem também causar algum incômodo por serem animais naturalmente barulhentos. Para que se mantenham saudáveis a dieta deve ser variada, incluindo sementes, vegetais e frutas frescas. É recomendável disponibilizar um osso para que obtenham cálcio e desgastem o bico sempre em crescimento. Como seus hábitos incluem roer madeira, as gaiolas devem ser de metal, e devem possuir uma área grande para que possam voar. À noite a gaiola pode ser coberta para manter as aves tranquilas e habituá-las a horários definidos. Muitos criadores costumam cortar parte de suas penas alares para diminuir sua capacidade de voo e mantê-las sob o alcance e controle. Elas podem ser treinadas para imitar a voz humana, muitas vezes aprendem uma palavra após ouvi-la apenas uma vez, e podem ser manipuladas, desde que com gentileza e atenção. Durante a procriação podem se tornar extremamente agressivas, e seu bico poderoso pode infligir ferimentos sérios. Sob estresse, na forma de gaiolas pequenas, má alimentação, maus tratos ou recebendo pouca atenção, podem desenvolver doenças e comportamentos aberrantes, incluindo aumento da agressividade, podendo chegar até a automutilação.
Estas araras eram admiradas pelos povos indígenas pré-coloniais desde tempos remotos, participando de seus mitos. Os Tupis celebravam sua beleza em canções; uma etnia denominou-se Kanindé em lembrança a um cacique ancestral que assim se chamava por ser tão bonito – e tão barulhento – como estas araras; entre os Urueu-wau-wau e os Ticuna a Arara-canindé é o nome tutelar de troncos familiares; entre os Craós o personagem mítico Khwök se transformou em Arara-canindé e foi responsável pela formação de um dos “grandes perigos” que existem na mata, dois troncos de buriti que lançam chamas, e segundo uma lenda de origem desconhecida a Arara-canindé foi uma das criações da Arara Encantada, um ser divino que ensinou às tribos as artes da música, da dança, da fala e todo o saber. Suas penas estão presentes em muitos artefatos rituais indígenas e as araras em geral estão associadas aos mitos solares e os ligados à criação do fogo.
Além de seu papel destacado na cultura, a Arara-canindé tem uma grande função na teia de inter-relações que sustenta a vida na natureza, pois seus hábitos alimentares provocam a dispersão de sementes de várias espécies vegetais e deixam frutos abertos e semi consumidos ou espalhados pelo chão, para outras espécies de aves e mamíferos que de outra forma não teriam como se aproveitar deles, seja por terem cascas excessivamente duras, seja por estarem fora do alcance. São aves emblemáticas do nosso Cerrado.
* Fonte: Zoologia2013.blogspot.com.br (Geraldo J. Barros).
* Foto: Animais.culturamix.com.