Desqualificado na vida por opção própria, já que não passava de vinte e poucos anos e era até robusto, Zé Morróida não tinha esse apelido quando desembarcou na rodoviária com uma mochila às costas sabe-se lá vindo de onde. E nas redondezas da Lagoa Grande resolveu estabelecer uma moradia temporária. Foi quando numa de minhas caminhadas dominicais pela orla com alguns amigos, topamos com o mequetrefe com um pedaço de embalagem de papelão nas mãos. Nos parou e soltou essa:
– Por favor, me arrumem uns trocados pra me ajudar a comprar este remédio pra combater uma morróida que está acabando comigo.
Colaboramos sem termos o costume de fazer isso, porque sabemos ser quase 100% golpe. Esse é apenas um dos golpes, pois tem aquele da mulher com um bebê no colo e um pedaço de papel na mão contando um pouco da sua desgraça. O engraçado é que ela chega na gente sem dizer uma palavra nos empurrando o papel. E tem outros dando sopa pela cidade.
No outro domingo lá estava o cara, mas desta vez nada recebeu. O malandro fez cara de poucos amigos ameaçando dizer algum impropério, mas acabou se retirando aos resmungos de quem não gostou. E assim foram uns quatro domingos que o observamos usando a mesma tática com os desavisados, por isso o apelidamos de Zé Morróida. Uns dois meses depois o vimos sentado à margem da lagoa, debaixo de uma árvore e com uma garrafa de pinga já no quarto final. Não aguentamos e o inquirimos:
– Aí, cara, cadê o remédio pra hemorroida?
Ele levantou a garrafa e, custando a pronunciar as palavras, lascou:
– Aí, bicho, com esse remédio não tem morróida que dói!
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.