Cala-se o poeta!
Juca da Angélica nos deixou no dia 24 de setembro, depois de ter ficado doente alguns meses ao lado de seus filhos e netos, que o acompanharam no leito, já bem debilitado. Visitei-o faz alguns dias. Ainda me reconheceu e recitou alguns versos, já com a voz fraca.
Fui me despedir.
Morreu na cidade de Lagoa Formosa com os familiares e ao lado de seu neto Lucas filho de Paulo José de Sousa, hoje estudante de medicina.
Eu quiria ter um peito, Forgado como um salão, brilhano de oro e prata, cheinho de inspiração, Qui quando eu desse um suspiro, Caísse verso no chão… Quiria qui os meus verso, Andasse pelos caminho, consolano os infilizes e dano pão aos pobrizinho.
Meu canto é saudade!
Conheci o Sr. Juca da Angélica quando de suas visitas à casa de meu tio Altino Caixeta de Castro, o Leão de Formosa, seu primo e grande amigo. Sua figura me contagiou, devido ao seu jeito simples de ser, humilde e muito inteligente. Eram visitas demoradas, com muita conversa, incentivo, troca de ideias e um bom café com biscoitos.
Altino e sua esposa, Tia Alfa, sempre incentivaram o Sr. Juca para que este publicasse seus poemas em um livro. Sem dar muita importância, ele respondia:
– Ah! Artino, acho qui já passô da hora… Eu num vô aproveitá isso nada, purquê já to muito velho.
O tempo passou, e hoje já não temos mais em nosso convívio o poeta Leão de Formosa, falecido em 1996. Se ele aqui estivesse, com certeza estaria feliz ao ver este sonho realizado.
– O Artino era meu dicionário. Ele mim chamava de Rei dos Poeta, iscrivia meus verso nos pedaço de papel de imbrulho, e punha no bolso. Falava: Juca, esse foi dimais!
Um bilhete em versos por um portador, pedindo um medicamento.
O remédio vinha direitinho!
Bom dia meu caro Artino, Hoje o poeta qué, Uma caixa de lodalgim, E uma saúde da mulhé, Artino sei que ti devo, Duas caixa de lodalgim, Num devo três purque, O Alvaro num quis fiá de mim. (O Alvaro era primo do poeta e empregado da Farmácia).
Quando faleceu Leão de Formosa, dava pena ver o Sr. Juca da Angélica assentado ao lado do corpo do seu amigo poeta, velado no saguão da Prefeitura Municipal de Patos de Minas. Cabisbaixo e triste, ele chorou, ficando ali horas e horas, até vê-lo partir para sempre.
Em 1997, envolvida no trabalho cultural, passei a ter maior contato com o poeta, procurando divulgá-lo em nossos eventos, e também através da imprensa local. O Sr. Juca da Angélica precisava ser mais conhecido. Assim começa esta amizade.
Em maio do ano de 2000, convidei-o para apresentar seus versos na Exposição de Artes e lançamento do livro “Brasil 500 anos – O Milho na Trilha da História”, realizado no Espaço Cultural Caixa. Foi um sucesso. Acompanhado pela dupla “Chiquito e Rubão”, ele nos conduziu a uma viagem às nossas raízes através de seus versos. Naquela noite, um desafio: catalogar os seus poemas, guardados na memória, para um dia ser lançada, em livro, a obra de sua vida.
A partir de 18 de novembro do mesmo ano, comecei a visitar o Sr. Juca na fazenda Mata-burros, a 14 km de nossa cidade. As suas puisias aos poucos iam saindo daquela cabeça grisalha, recontando toda a sua vida, da infância à velhice, para serem gravadas em vídeo. A cada viagem, levada pelo seu filho Paulo José de Sousa, nas tardes de sábado, voltava cheia de sonhos, trazendo na bagagem o exemplo de vida deste grande homem. Ali naquela mesma fazenda ele nasceu ainda vive, como no tempo da sua tão amada mãe Angélica e dos seus irmãos.
São muitos puisias, grandes e piquenas, como ele diz: tantas, que ele duvidava:
– Será que nóis já gravou essa?
E assim, aos poucos, ele foi se lembrando… Além da memória de 82 anos de vida plena, uma surpresa: poucos e velhos cadernos, já amarelados pelo tempo, escritos ainda à pena.
Neste projeto cultural de grande alçada, dividi minhas tarefas com o Prof. Dr. Luís André Nepomuceno, professor de Teoria da Literatura e Coordenador do Departamento de Letras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Patos de Minas, que, além de assinar o prefácio do livro, foi o coordenador geral do projeto; e com poeta e ensaísta Paulo Nunes, responsável pela digitação, catalogação e fixação dos poemas do Sr. Juca da Angélica até agora coletados, bem como pela organização do presente volume.
Contamos ainda com a colaboração dos filhos do poeta: Paulo José de Sousa, pela revisão e apoio técnico com transporte, computadores e arte; Celcinila Aparecida de Sousa e Silva (e seu esposo Antônio) e Plínio José de Sousa, com apoio técnico e transporte.
Queremos ressaltar e agradecer, ainda, a colaboração do Srs. Joaquim Antônio de Lima (Nêgo Moreira)/ In Memoriam, pelo incentivo; Laércio Madureira Campos, pelas imagens de vídeo; Saulo Alves Paulino/ In Memoriam, pelas fotografias; José Tarcísio dos Santos, pela revisão geral; Manoel Almeida, pela arte da capa; e do CESEC (Centro Estadual de Educação Continuada) “Ordalina Vieira Roriz da Costa”, pelo apoio técnico.
Agradecemos também à FEPAM – Fundação Educacional de Patos de Minas, Prefeitura Municipal de Patos de Minas/ Divisão de Cultura, Caixa Econômica Federal, Sindicato dos Produtores Rurais de Patos de Minas, Aguinaldo das Pamonhas, Pão de Queiro Caseiro Lá de Minas, Refrigerantes Artemis, Delcira Festas, Jornal Folha Patense e Stúdio ZMC.
Hoje, ao realizarmos este sonho, temos a certeza de que estamos caminhando para que se perpetue a obra de um dos mais importantes poetas populares do país, o Juca da Angélica (Texto do livro: Meu canto é saudade – Pag. 11/12).
Juca da Angélica faleceu com 98 anos. Foi velado e sepultado em Lagoa Formosa no dia 25 de setembro ao lado de seu pai, um desejo em vida.
* Fonte: Texto publicado com o título “O Adeus ao Poeta Amigo – Juca da Angélica – 1918/2016” na edição de 30 de setembro de 2016 do jornal Folha Patense.
* Foto: Youtube.com.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.