Foi nos estertores da década de 1840 que o Arraial de Santo Antônio dos Patos começou a luta para se transformar em Vila, com a consequente emancipação¹. Vários abnegados enfrentaram desavenças até do Bispado, mas felizmente, através da Lei n.º 1.291, de 30 de outubro de 1866, alcançaram o intento². Entretanto, não estava fechada a questão. O Artigo 3.º da Lei impôs: Instalar-se-á a Vila, logo que os habitantes prontificarem a cadeia e casa de Câmara. Esta determinação causou muitos dissabores e por pouco a causa foi perdida.
As dificuldades para prontificarem a Cadeia foram enormes. Dez meses após a determinação da Lei, preocupados com o fato, as autoridades patenses enviaram uma carta ao Governo da Província informando que haviam disponibilizado uma casa de propriedade do cidadão José Soares Rodrigues para servir provisoriamente de Cadeia (a 1.ª) e Câmara e se prontificaram a providenciar um imóvel adequado no prazo de 2 anos a partir daquela data, 15 de agosto de 1867³. Feita a promessa, e aceita pelo Governo Provincial, veio a ordem do executivo para a instalação da Vila de Santo Antônio dos Patos em 29 de fevereiro de 1868. Enfim, a emancipação4.
Seis meses. Este foi o tempo transcorrido entre a carta de compromisso de dois anos para providenciar um local adequado para a Cadeia e Câmara e a oficialização da liberdade territorial e política. E o tempo foi passando, e o prazo se contraindo. E nada de promessa cumprida. Chegou março de 1869. Estava quase a esgotar-se o prazo firmado com o Governo. Por falta de dinheiro a obra estava pela metade. Exaurida a arrecadação popular, a comissão construtora não teve outro recurso, senão fazer veemente apelo à Câmara Municipal, a fim de que esta, em seu nome, pedisse à Assembleia Provincial uma ajuda para o acabamento da obra. O Governo negou o recurso financeiro com uma repreensão cáustica, mas, condescendente, estendeu o prazo por mais um ano, com a ameaça de suprimir o Município se o propósito não fosse alcançado. Felizmente, os patenses conseguiram5.
Entretanto, pelo que os fatos evidenciam, a atitude do Governo Provincial em recusar ajuda financeira para terminar o imóvel que garantiu a emancipação do Arraial de Santo Antônio dos Patos obrigou os patenses a inaugurar um prédio inacabado (a 2.ª Cadeia). E isso resultou uma obra sem solidez. Tanto que, dez anos após, na sessão da Câmara de 23 de abril de 1879, o Presidente Daniel Alves Beluco informa que o prédio está em mau estado, em risco de desmoronamento, com telhado ruído e estado deplorável de portas e janelas. Ele então indicou fazer uma representação ao Governo Provincial solicitando uma quota de ajuda de não menos que dois contos. O pedido não foi atendido. Três meses adiante, a Câmara solicitou novamente ao Governo Provincial a mesma quantia e alegando os mesmos motivos.
Aquela embromação com a construção do imóvel, que resultou na ameaça de cancelamento da emancipação, talvez tenha sido o motivo de nova recusa do Governo Provincial em enviar ajuda financeira. Com isso, a situação da Cadeia estava tão precária que em dezembro de 1879 o vereador Felisbino José da Fonseca apresenta protesto contra o emprego de correntes e algemas nos presos, usados pela precariedade da casa, e pede à Câmara que represente ao delegado contra tais processos contrários às atuais leis do País.
Em 29 de janeiro de 1886, o delegado Antônio José Lopes faz um requerimento a Câmara, que é lido em plenário. E é através desse requerimento que ficamos sabendo que a precária casa de Cadeia possuía apenas “duas prisões”. O chefe de polícia solicita urgente conserto nas duas celas e ainda na grade e no assoalho, e, vai além do pedido, um livro para assentamento dos presos. Até um martelo faz parte das solicitações.
O tempo passou e o estado físico da Cadeia continuava lastimável. Quem sabe as solicitações financeiras para reparos não foram suficientes para dignificar a casa de detenção. Mas os pedidos de aporte de dinheiro eram sistemáticos. Em 17 de janeiro de 1898, já na República, o vereador Eduardo Ferreira de Noronha indica que a Câmara oficie ao Presidente do Estado: Fazendo-o ver o estado em que se acha a Cadeia e Casa da Câmara, feita pelo povo, e feitos alguns reparos e aumentos pelo Governo Provincial do antigo regime e consulta “se depois das leis orgânicas do Estado o referido edifício ficou pertencendo só ao Estado ou se continua a pertencer ao município”.
Desde o primeiro imóvel providenciado às pressas para servir de casa de Cadeia e Câmara, os dois órgãos funcionavam no mesmo local. Em 13 de fevereiro de 1900, pela primeira vez foi aventada a necessidade de separação. Naquele dia discute-se o projeto sobre a compra de um prédio para sessões e arquivo da Câmara. O vereador Eduardo Ferreira de Noronha pediu a substituição da palavra compra por construção. Aprovada a emenda do vereador Noronha e negada a do vereador Antônio Vieira Machado, que seja adiado o projeto para outra ocasião. Incompreensível esta ação, pois desde 1867 a Câmara não conseguiu construir uma edificação segura e com o passar dos anos ficou solicitando dinheiro ao Governo para reformas. Por isso não se entende esta pretensão de construir um prédio para a Câmara.
Um aspecto interessante é a ausência de dados sobre a localização das duas cadeias. Não há um registro histórico sequer sobre o endereço dos imóveis. Tanto que em 22 de outubro de 1900, a Lei n.º 47 autorizou construir um passeio no trecho entre a Cadeia e a casa do atual Secretário, sem especificar onde ficavam ambos os imóveis.
Passados 11 anos, uma nota alvissareira publicada na edição de 19 de março do jornal O Commercio:
Consta-nos que já veio o orçamento para a construcção de uma nova Cadêa, nesta cidade, sendo o serviço orçado em 55:000$000. Que seja real a noticia e que o serviço seja feito com brevidade!
Enquanto isso, a 2.ª Cadeia continuava no mesmo estado lastimável de sempre, parecendo ser uma situação insolúvel. Uma matéria intitulada “Melhoramentos”, publicada na edição de 27 de agosto de 1911 do jornal O Commercio nos dá uma dimensão do enorme problema:
Já falamos, muitas vezes, sobre o lastimavel estado em que se acha a Cadêa local; ao terminarem os trabalhos da 2.ª sessão do Jury, d’este anno, os jurados e mais pessôas do fôro dirigiram, no mesmo sentido, uma representação ao honrado Presidente do Estado, entretanto, até hoje, não nos consta que tenha sido tomada alguma providencia, no sentido de ao menos melhorarem a condição tristissima de tantos infelizes que alli expiam as suas desditas. O tempo chuvoso se approxima, e então teremos occasião de assistir contristados o martyrio lento d’aquelles desgraçados sem abrigo, sem ao menos um logar enxuto para repoisarem a cabeça. Oxalá que escapem ao desmoronamento do predio que, como está à vista de todos, ameaça ruinas! Que os nossos governantes se compadeçam de nós! Que oiçam as vozes que se levantam para pedir-lhes providencias tão urgentes e necessarias!
Finalmente, eis que o Presidente do Estado ouviu “as vozes que se levantam para pedir-lhes providencias tão urgentes e necessarias”. Prova disso é a nota publicada com o título “Cadêa de Patos” na edição de 02 de dezembro daquele ano de 1911 do mesmo jornal:
Por edital de 13 do p. findo mez, da Directoria de Viação e Obras Publicas do Estado, foi convidado o Sr. João Ferreira da Silva a comparecer naquella Directoria, dentro do prazo de 15 dias, a partir da data do edital, a fim de assignar o termo de contracto para a execução das obras de construcção da Cadêa d’esta Cidade.
A partir deste comunicado, não se sabe a data do início das obras da nova Cadeia (a 3.ª). Certo é que, igualmente como as outras duas, foi um processo repleto de empecilhos e contratempos. Uma pista disso está num artigo d’O Commercio publicado com o título “Cadêa e Forum” na edição de 14 de julho de 1913:
Não fosse o desleixo reinante na Central, conforme estamos informados, já podia estar entregue ao Estado o predio construido nesta Cidade, destinado à Cadeia e Forum. Ha mais de um anno foram pedidas do Rio as calhas destinadas ao predio e, ATÉ HOJE, nem noticia das mesmas que foram despachadas com presteza pela casa que recebeu a encommenda. O nosso amigo João Ferreira (da Silva), o empreiteiro da obra, não sabe qual o destino dado às ditas calhas, estando portanto no prejuizo de um conto e tanto do custo das mesmas, e obrigado a fazer novo pedido para que possa concluir a obra e entregal-a. Espera que por esse mez ou dois aqui estejam as novas calhas, para a conclusão do serviço; si estas não tiverem a mesma sorte das primeiras.
Esta situação em 1913 – Cadeia nova não terminada e Cadeia antiga em frangalhos – gerava revoltas e instigava a opinião pública a botar a boca no trombone. E assim, o jornal O Commercio, editado por Alfredo Borges, resolveu, em sua edição de 30 de novembro, com o título “Pelo Bem” esclarecer a população o que realmente estava acontecendo. Fica a constatação de que a antiga Cadeia (a 2.ª) foi abandonada por falta de segurança. Eis um trecho6:
De certo tempo a esta parte, não temos cadeia, servindo o quartel policial de prisão. Ha mais de um anno, lá se apresentam individuos “para se livrarem”. O que já tivemos occasião de observar é simplesmente vergonhoso: o quartel transformado em casa de pandegas e os presos (mesmo condemnados) têm andado pelas ruas, têm sido contractados para serviços fóra da cidade por qualquer pessôa que d’êlles têm precisado. Uns têm andado armados e outros dormindo em suas proprias casas!
Pouco tempo depois, já em 1914, as tão esperadas calhas chegaram. Assim, finalmente, para alívio do povo e dos presos, o prédio da 3.ª Cadeia, Fórum e casa de Câmara pôde ser inaugurado. A boa notícia foi destacada na edição de 03 de maio de 1914 do jornal O Commercio:
A fim de receber o novo predio da Cadêa e Forum d’esta cidade, esteve entre nós o Exmo. Dr. Nicodemos de Macedo, illustre Engenheiro do Estado. S. Excia., depois de recebel-o, fez entrega d’elle, terça-feira passada, aos Exmos. Dr. Juiz de Direito da Comarca, e Cap. delegado de policia. Este fez logo transferencia dos presos que se achavam no quartel, para as novas prisões.
A pedido do Exmo. Dr. Juiz de Direito, o Dr. Nicodemos fez o orçamento da modificação que é necessário se faça na sala destinada às sessões do Jury, a fim de ser collocada nella a Imagem de Christo. É necessario agora que os encarregados da acquisição da Imagem, providenciem para a proxima vinda da mesma, pois, isso não póde ficar para adeante mais.
O Exmo. Dr. Albergaria, integro Juiz de Direito da Comarca, pede-nos que convidemos às pessôas que têm listas de subscripção para esse fim, bem como à commissão angariadora da Imagem e ao Sr. thesoureiro, a comparecerem hoje, ao meio dia, em sua casa, a fim de deliberarem sobre o assumpto.
Ao contrário das duas primeiras Cadeias, esta terceira foi solidamente construída em estilo eclético com dois pavimentos, para abrigar no pavimento superior a Câmara e o Fórum, e no inferior a Cadeia, com escada lateral em 4 lances de fácil acesso. O afastamento posterior junto ao alinhamento da hoje Avenida Padre Almir Neves de Medeiros servia como pátio aberto para banho de sol dos presos. Com o transcorrer do tempo passou por várias transformações, especialmente a colocação de laje no piso superior.
Durante 69 anos ininterruptos a 3.ª Cadeia cumpriu a sua função. Com o consequente desenvolvimento da cidade durante o período, chegou-se à conclusão que ela já não atendia adequadamente ao seu propósito. Em 06 de junho de 1983, o vereador Silvio Gomes de Deus indica ao Prefeito manter contato com a Secretaria de Estado de Segurança Pública visando a construção de uma nova cadeia pública. A partir desta indicação, foram mais de 12 anos de muita luta e inúmeras promessas políticas para a construção da almejada nova Cadeia. Nesse intervalo de tempo, no início da década de 1990 a velha e sofrida Cadeia chegou a ser pejorativamente apelidada de queijo suíço, tal a precariedade em segurar os seus presos. Numa reportagem publicada na edição de agosto de 1994, a revista Diga vislumbrou esta caótica situação7. Na oportunidade, até o delegado da Comarca, Coriolano Lourenço de Almeida, fez piada com a precária situação do prédio: De tanto os presos fazerem buracos e a polícia tapar com concreto, as paredes das celas já estão ficando mais firmes.
Eis que, finalmente, no dia 17 de setembro de 1998 foi inaugurada a Colônia Penal Sebastião Satiro8, hoje Presídio Sebastião Satiro, com as presenças de diversas autoridades, entre elas a dos Secretários de Estado da Justiça, Castellar Guimarães e de Segurança Pública, Santos Moreira. Na oportunidade, na antiga e precária Cadeia, 56 presos cumpriam pena, só esperando a liberação da justiça para a transferência dos mesmos para o “novo lar”.
Com a desocupação do histórico prédio da 3.º Cadeia, hoje o mais antigo imóvel público de Patos de Minas, o poder público teve algumas iniciativas em preservá-lo em consideração por tudo o que ele representa. Em 14 de abril de 1998, através do Decreto Municipal n.º 2049, o edifício foi tombado. Em 2002 sofreu ampla reforma, com a reabertura dos vãos centrais que estavam fechados, recuperação da cobertura, construção de instalações sanitárias, copa e pintura geral. A intervenção, mesmo não sendo restauração, possibilitou na recuperação da imagem do edifício, que há muito tempo estava bastante degradada.
Estas foram as últimas intervenções feitas na antiga 3.ª Cadeia no sentido de preservá-la como importantíssimo patrimônio histórico. A partir daí, foi definitivamente abandonada. Hoje, não se sabe como ainda está se sustentando em pé.
* 1: Leia “A Revolta de Formiguinha” e “Antônio José dos Santos e Formiguinha: O Patriarca da Emancipação”.
* 2: Leia “Pedido Para Elevação de Santo Antônio dos Patos à Vila”, “Patrocínio Apoia a Emancipação Patense”, “Distrito dos Alegres se Rebela Contra a Emancipação Patense e Pede Socorro a Paracatu”, “Instalação da Vila: Reações Adversas” e “Lei que Eleva o Arraial à Categoria de Vila”.
* 3: Leia “Carta Sobre a Construção da Casa de Cadeia e Câmara”.
* 4: Leia “Instalação da Vila: A Emancipação”.
* 5: Leia “Instalação da Vila: Governo Ameaça Suprimir o Município”.
* 6: Leia a matéria na íntegra em “Vida Boa dos Presos no Início da Década
de 1910”.
* 7: Leia a matéria na íntegra em “Estado da Cadeia Pública em 1994”.
* 8: Leia “Nova Cadeia Pública – 17/09/1998”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fontes: Arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam; Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca; Uma História de Exercício ada Democracia – 140 Anos do Legislativo Patense, de José Eduardo de Oliveira, Oliveira Mello e Paulo Sérgio Moreira da Silva; DIMEP.
* Foto 1: App.tecnologia.ws, meramente ilustrativa.
* Foto 2: Terceira Cadeia em estado de abandono (Eitel Teixeira Dannemann – 19/04/2015).