Foi na Festa do Milho de 2007, dia 27 de maio. Vai-e-vem das pessoas no Parque de Exposições, apresentação de artistas da moda e o rodeio que encanta a muitos e desagradam a outros tantos. Eu estava comigo mesmo, sozinho, não que a minha presença fosse incômoda a mim mesmo. Havia aquele vazio conceitual, não o vazio da alma, o vazio do viver, mas o vazio do querer, o vazio do não ter. Mas não o vazio de riquezas materiais, a falta do não ter bens materiais. Mas também não era existencial, daqueles em que a gente se pergunta o que está fazendo no mundo. Nada disso. Eu estava sereno comigo mesmo, e minha companhia me agradava. Meus gestos eram calmos com tudo e com todos. Meus olhos sim, em conluio com o ventrículo esquerdo, palpitavam para todos os lados. Era uma busca que no início não entendi bem. Mas logo compreendi.
Lá estava eu a passos curtos, a responder olás e tudo bom para várias pessoas. Um bate-papo ali, outro acolá e a festa seguia célere. Pensando bem, eu não estava sozinho. Havia um monte de seres a me acompanhar. Eu poderia escolher entre muitos com quem ficar e curtir o evento por toda a noite. A razão assim me mostrava. O problema era a emoção. Esta, em polvorosa, mostrava-me sozinho no meio de toda aquela gente. O que me faltava? Eu descobri num lapso de segundo quando a vi.
Na arena, o cantor famoso soltava a sua voz inebriando os fãs. Não a mim, que apenas olhava a esmo, procurando a esmo alguma coisa que não compreendia bem. A música que vibrava alta em meus ouvidos até que era agradável. Em minha volta, as pessoas saltitavam de leve acompanhando os acordes musicais. Comecei a apreciar aquilo com gosto, sorrindo para mim mesmo. Olhava para o sul, para o norte, para oeste e para leste. Só via alegria, só via nas pessoas o prazer de estar ali. Até que comecei a me enjoar de toda aquela alegria. Aquela alegria não fazia parte de mim. Era dos outros. Percebi que não estava alegre. Eu apenas apreciava a alegria dos outros. Mas, eu mesmo, estava triste. Foi quando a vi.
E quando a vi, a iluminação da arena onde acontecia o show que já era muito boa, de repente ofuscou meus olhos. Tentei ajustar as retinas àquelas luzes e logo percebi que não eram as luzes do show, e sim uma forte luz que vinha daquela que vi. Meus olhos focaram o centro daquela luz, foram se ajustando até que percebi uma linda criatura, saltitando ao compasso da música, como um anjo dançando nas nuvens. Não mais olhei para nenhum outro lugar. Meus olhos eletrizaram-se naquela figura iluminada. Fiquei paralisado, simplesmente apreciando aquela linda criatura mexendo braços e pernas ao prazer de simples acordes musicais. Depois de uma eternidade sufocante, eis que seus olhos se encontraram com os meus. Meu corpo tremeu. Faltou ar quando a vi, vendo-me.
A partir daí não existiu mais ninguém a meu lado. Sumiram todos. A música se foi e o silêncio se fez presente. No Parque de Exposições só existia aquela luz, límpida, transparente, mágica. Ela me atraia, e em volta só existia um caminho reto, pavimentado, repleto de árvores com flores exuberantes. A luz me chamava, ou melhor, me puxava ao seu encontro. De onde a luz brilhava, eram evidentes os gestos dos braços retilíneos a me chamar. Dei um passo, dois, e quando nem percebi estava ao lado daquela linda criatura. Face a face, ela fitou meus olhos, sua luz resplandecente se apagou por completo. Durante segundos que pareciam uma eternidade, vi-me envolto em trevas aterradoras. Mas não era nada disso, logo percebi. A criatura estava apenas moldando a sua luz à minha. Sim, eu tinha uma luz, tão forte quanto a dela. A linda criatura ligou a sua luz à minha. Num instante houve uma explosão de luzes, de cores variadas, sei lá quanto foi de luminescência. Mas foi tão forte que voltei a sentir a realidade em volta de mim.
Lá estava o cantor a soltar a sua voz. Em volta estava o povo a saltitar alegremente. E bem à minha frente uma linda mulher, a mais linda que jamais havia visto. Tudo nela era terno, calmo e sereno. Ela sorriu, e seu sorriso mostrou-me um mapa repleto de caminhos que levavam a um único lugar: ela. Como num sonho, pousei o pé direito no primeiro caminho que vislumbrei. Não importava qual, pois todos tinham o mesmo fim, ou melhor dizendo, o mesmo início: ela. Dei o primeiro passo, o segundo. Acelerei, uma corrida desenfreada se deu. Não olhava por onde pisava. Apenas seguia as setas que percebia, me direcionando a ela. E fui seguindo as setas, até que finalmente me deparei com aquela linda mulher, de pé, braços abertos, dizendo: – Chegou ao seu destino. E de prontidão respondi: – Sim, desde quando a vi.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Elo7.com.br, meramente ilustrativa.