O Paiz foi um jornal diário de grande circulação lançado em 1º de outubro de 1884, no Rio de Janeiro (RJ), por João José dos Reis Júnior, o conde de São Salvador de Matozinhos. Conservador e de grande expressão, considerado o mais robusto órgão governista da República Velha, foi um dos maiores formadores de opinião na política e na sociedade brasileiras entre o fim do século XIX e o começo do século XX. Durou até 18 de novembro de 1934, quando foi fechado pela Revolução de 1930.
O Paiz foi realmente um jornal antenado com o que acontecia no Brasil. Tanto foi que em 1913 descobriu algo estranho acontecendo numa cidade escondida no sertão mineiro: Patos, sem ainda o “de Minas”. É que a nossa Câmara Municipal, em seu orçamento da receita e despesa para o exercício daquele ano (Lei n.º 152, de 30/09/1912) resolveu incluir uma cobrança que lhe traria enormes dores de cabeça: imposto sobre todos os pastos do patrimônio, incluindo os de propriedade da Igreja. Não se sabe se o cidadão comum reclamou, mas a Igreja protestou imediatamente. O primeira a enviar um reclamação expressa à Câmara foi o Frei Agostinho Christobal, Vigário do distrito de Santana de Patos. A carta é datada de 19 de fevereiro e foi publicada na edição de 02 de março do jornal patense O Commercio:
Ullm.º Exm.º Dr. Presidente e mais Snrs. membros da Camara Municipal de Patos.
Pelo lançamento de impostos deste municipio, vejo incluidos nesses impostos alguns terrenos pertencentes ao patrimonio desta Parochia.
Como V.V.S.S. não ignoram, separada a Egreja do Estado, ficou aos Vigarios o póder juridico sobre os patrimonios, para delles tirarem rendimento em favor das Egrejas e do culto catholico. Tanto é assim, que o Exm.º Bispo Diocesano houve por bem nomear aqui, ha pouco, um Conselho de Fabrica, com autoridade de proceder o aforamento do patrimonio deste lugar. Não sendo, pois, justo para as pessoas que usufruem dos alludidos terrenos, contribuem dessa maneira, e simultaneamente para os dois cofres, a saber, o municipal e o desta Matriz: eu, na qualidade de representante desta Parochia, venho protestar contra o lançamento de impostos sobre os mesmos terrenos, esperando que a illustre Camara, cujos membros, supponho, possuidos de todo o criterio e sensatez, tome em consideração este meu protesto.
Sant’Anna de Patos, 19 de Fevereiro de 1913.
O Vigario,
Frei Agostinho Christobal.
Poucos dias depois foi a vez do Cônego Getúlio Alves de Mello, Vigário da Matriz de Patos, enviar o seu protesto à Câmara Municipal. A carta é datada de 05 de março e foi publica n’O Commercio em sua edição de 09 de março¹.
Enquanto os protestos da Igreja se espalhavam por toda a comunidade, as notícias chegaram até o jornal O Paiz. Em sua edição de 06 de abril, o patense O Commercio reproduziu a seguinte matéria de seu colega carioca:
Pela Camara Municipal, no corrente exercício, está sendo cobrado o imposto de 50$ por hectare, dos proprietarios de pastos no patrimonio de Santo Antonio, orago desta cidade.
A medida adoptada pela nossa edilidade envolve questão de direito que urge ser ventilada.
A igreja, até hoje ainda não lançou mão do direito que lhe assiste, e nem tal póde fazer, porque o patrimonio foi expressamente constituido, por dadiva, para a communidade dos povos, segundo o titulo de doação; a Camara, por sua vez, a não ser arbitrariamente, não póde arrogar a si o titulo de senhora e possuidora, visto como nenhum requisito lhe assiste, que justifique o seu procedimento actual.
O Sr. presidente da Camara Municipal de Patos², distincto cidadão, para quem convergem as melhores esperanças de nossa sociedade, lucida intelligencia, que muito póde fazer em beneficio deste municipio e, principalmente, desta cidade, por certo, em seu intimo, ha de concordar que a medida ora em execução, além de turbadora da posse do patrimonio, é igualmente iniqua e arbitraria. A contragosto saem da nossa penna, semelhantes qualificativos; o dever, porém, ou antes, o direito de analysar os actos publicos dos nossos homens, assim nos manda fazer, porque nem uma só causa existe que ao menos, palidamente, possa desculpar o lançamento de impostos sobre os terrenos do patrimonio de Santo Antonio de Patos, pêla Camara Municipal desta cidade!
Só a igreja compete fazel-o, só a igreja póde fazel-o. A Deus o que é de Deus, e a Cesar o que é de Cesar!
Emquanto a Camara não justificar o seu acto, provar seu direito, e mostrar que é ella e não a igreja, a senhora e possuidora do patrimonio, ninguem deve pagar semelhante imposto. Feito isso, porém, cada um cumpra o seu dever como cidadão patense, obediente às leis de seu municipio. Antes, porém, nunca, jamais!…
De nada adiantaram os protestos da Igreja patense e nem o artigo publicado no jornal O Paiz, pois o “imposto do pasto” continuou sendo cobrado. Na sessão de 14 de janeiro de 1914, Cônego Getúlio compareceu à Câmara para pedir a isenção do pagamento, mas foi-lhe negada a isenção e ainda foi duramente questionado:
… não podendo permitir a continuação de um esbulho por parte de 5 ou 6 felizes que, por complacência de administrações anteriores, se apoderam de grande área do logradouro público em seu uso e gozo próprio, com prejuízo da coletividade; acrescendo mais que são pessoas exatamente abastadas, que não precisam de favores e assim procedendo em prejuízo da população pobre.
A partir da sessão de 14/01/1914, não há mais registros nas atas da Câmara Municipal sobre o imbróglio do imposto do pasto. Talvez em alguma notícia de jornal, quem sabe. Se algum dia for encontrada, será anexada a este artigo.
* 1: Leia o texto “Protesto do Cônego Getúlio”.
* 2: Marcolino Ferreira de Barros.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fontes: Jornal O Commercio, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unimam, Bndigital.bn.br (sobre o jornal O Paiz) e Uma História de Exercício da Democracia – 140 Anos do Legislativo Patense, de José Eduardo de Oliveira, Oliveira Mello e Paulo Sérgio Moreira da Silva (sobre a sessão da Câmara).
* Foto: Montagem meramente ilustrativa.