A Sarna Sarcóptica (Escabiose) é causada por diferentes variedades do ácaro Sarcoptes scabiei, que recebem a denominação conforme o hospedeiro que estão parasitando. Em cães é causada pelo Sarcoptes scabiei var. canis, provocando uma dermatite altamente contagiosa. O parasita completa todo o seu ciclo vital, em torno de 3 semanas, no hospedeiro. Quando adulto é microscópico, com formato grosseiramente circular.
O Sarcoptes é atraído pelo odor e por estímulos térmicos do hospedeiro. Quando uma fêmea fertilizada encontra uma área satisfatória na pele, ela cava uma galeria no qual se alimenta e deposita seus ovos. Os ovos eclodem e as larvas se movem para a superfície, onde ocorre a muda para ninfa e adulto. A cópula ocorre na superfície ou nos túneis da pele. Os ovos se desenvolvem até adultos em 10 a 21 dias. Durante a escavação, as fêmeas ficam aderidas no hospedeiro através de suas ventosas, sabendo-se que as fêmeas percorrem de 0,5 a 5 mm diariamente onde permanecem e não saem. Cada fêmea põe dois ovos por dia, onde em temperaturas elevadas suas atividades aumentam. O período de incubação dura três dias e de cada ovo eclode uma larva hexápode (seis patas), que permanece fazendo galerias na pele do animal. Essa larva passa por duas etapas antes de se transformar em ninfa (protoninfa e tritoninfa), e nove dias após a eclosão surge a ninfa octópode (oito patas), e seguido dois dias, as ninfas transformam-se em adultos.
Os machos saem de sua galeria e vão até a superfície atrás das fêmeas púberes, sendo que, logo após o acasalamento estes morrem. O ciclo evolutivo do ovo da fêmea envolve de dez a quatorze dias e esses parasitos alimentam-se de queratina e líquido do tecido do cão, denominado linfa. Como os machos morrem após o acasalamento, a Sarna Sarcóptica é dispersada principalmente pelas fêmeas fecundadas. Embora os ácaros da Escabiose vivem em camadas superficiais da pele, o antígeno desses ácaros pode alcançar a epiderme e a derme e induzir uma resposta imune celular e humoral. Muitos cães desenvolvem uma reação de hipersensibilidade aos antígenos, sendo que a presença de 10 a 15 ácaros é suficiente para originar sinais clínicos severos num indivíduo hipersensível.
Os ácaros, seus resíduos e excrementos são os responsáveis pelas reações de hipersensibilidade que levam ao prurido. A Escabiose é altamente contagiosa e transmitida principalmente por contato direto com um animal infectado. Pode haver transmissão por objetos e pele infectada de animais por meio de contato com material de higienização ou em canis. A doença geralmente atinge animais mais debilitados e seu período de incubação é de uma a duas semanas. Tal patogenia ocorre principalmente em cães com menos de um ano de idade, mas não se pode descartar o envolvimento de fatores imunológicos e não há predisposição sexual ou racial.
Os sinais clínicos e os sintomas da Sarna Sarcóptica incluem a presença de crostas, alopecia (perda de pelos), escoriações, hiperemia (aumento da quantidade de sangue circulante num determinado local) e prurido bem acentuado. As crostas acometem mais a região da face (principalmente as bordas das orelhas), cotovelos, jarretes e entre os dedos. O padrão de distribuição tipicamente envolve as porções ventrais do abdômen, tórax e patas. A doença dissemina-se rapidamente e pode envolver todo o corpo, mas o dorso geralmente é poupado. Com o tempo, auto escoriações resultam em alopecia irregular localizada a disseminada e evoluem para dermatite generalizada. Os animais acometidos crônica e gravemente podem desenvolver anorexia, perda de peso e piodermite bacteriana secundária. Existem casos de Sarna Narcótica subclínica, caracterizada principalmente por um quadro pruriginoso sem lesões cutâneas ou apenas por eritema (vermelhidão da pele) moderado e escoriações ocasionais. Deve-se ter atenção a estes animais que podem transmitir a doença.
O diagnóstico baseia-se na história clínica de prurido intenso em áreas normalmente acometidas, no contato com animal infectado e ao tratamento pouco responsivo com glicocorticoides. O método laboratorial de eleição para se estabelecer o diagnóstico definitivo é a observação microscópica dos ácaros adultos ou dos seus ovos em amostras resultantes da raspagem cutânea superficial das lesões, que deve ser feita por Médico Veterinário. Muitas vezes, e apesar do animal ser portador, o ácaro não é encontrado no exame referido. Este fato não deve ser suficiente para excluir a doença dos diagnósticos possíveis, pois o número de ácaros sem relação à área de pele atingida é pequeno, o que faz com que muitas amostras de raspagem sejam negativas. Outras dermatoses parasitárias ou alérgicas devem ser incluídas no diagnóstico diferencial.
Os primeiros ectoparasiticidas utilizados no controle da sarna consistiam em ervas medicinais, compostos inorgânicos, compostos aromáticos derivados do petróleo e frações botânicas. Com o descobrimento de substâncias químicas sintéticas modernas, a maioria desses ectoparasitíssimas foi abandonada ao longo dos anos e várias novas substâncias químicas entraram no mercado atual. Existem diversos produtos químicos sintéticos acaricidas para o tratamento da Sarna Sarcóptica, com formulações prontas para uso ou não, que variam desde múltiplas aplicações tópicas a dose única injetável. A administração de produtos acaricidas convencionais de maneira preventiva e sem critérios epidemiológicos, com dosagens incorretas e falhas no manejo, são uma realidade e que leva ao aparecimento de resistência destes parasitas-alvo aos princípios ativos. Por isso somente o Médico Veterinário é o profissional preparado para indicar o tratamento adequado.
Embora este ácaro não sobreviva durante muito tempo fora do hospedeiro nem haja evidência de que animais curados se reinfectem por contaminação ambiental, recomenda-se a aspiração e lavagem de todos os locais de permanência e repouso do animal, bem como de seus objetos. Os animais infectados devem ser isolados e os animais coabitantes devem ser tratados simultaneamente.
A Sarna Sarcóptica é uma realidade em todo o Brasil, especialmente por ser uma doença de fácil contágio, inclusive para os humanos. Na rotina da clínica de pequenos animais, percebe-se que, na maioria das vezes o proprietário é portador de lesões compatíveis com a doença e que estas, se não tratadas adequadamente não resolvem-se sozinhas. Devido a isso, torna-se importante prevenir e evitar o seu aparecimento, além de controlá-la para reduzir a prevalência.
* Fonte e foto: Sarna Sarcóptica: Revisão de Literatura, de Beatriz de Souza Kern. Monografia apresentada em 2012 ao Departamento de Ciências Animais da Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA, para a obtenção do título de Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientador: Prof. M.Sc. Cristiano Silva da Rosa –UFPel.