MARIA LOUCA

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1Em todas as cidades sempre há aquele personagem folclórico que geralmente perambula pelas ruas, quase sempre criatura inofensiva. Maria Louca é uma destas figuras que surgiu numa pequena cidade do interior de Minas Gerais. Algumas particularidades da mulher encantavam as pessoas: linda em seus trajes simples e impecavelmente limpos; educadíssima, de modos refinados; um simples sentar no meio-fio resplandecia suas características de dama; quando desfilava com o corpo molhado pela chuva os homens admiravam como nunca sua beleza e seu corpo escultural. Mas por que uma mulher como aquela vagava pelos becos e terrenos baldios? Um grande mistério!

O que todos sabiam é que num belo dia de domingo ensolarado ela apareceu como uma miragem na pequena cidade. Sentada num banco em frente à Matriz, não carregava nenhum objeto. Os olhos vidrados e inertes encaravam o infinito azul. As pessoas passavam e se perguntavam: – Quem é essa mulher? As mulheres, com desdenho. Os homens, com admiração. Como era de manhãzinha, hora da missa, chamaram o padre. Ela não portava um único documento. Levada para o interior da paróquia, deitou-se ao lado do altar e adormeceu serenamente.

Três meses se passaram e o padre a mantinha na paróquia. Ela continuava muda e apática. Alimentava-se bem, mas não se interessava por nada. Várias visitas ao hospital constataram uma ótima saúde, apesar da apatia. O departamento policial não descobriu sua identidade civil. Parecia até que aquela mulher não existia como pessoa física.

Nas missas de domingo sempre sentava no primeiro banco e lá ficava imóvel. Numa delas, para espanto geral dos fiéis, quando o padre levantou o cálice de vinho ela se pôs de pé. Todos fixaram seus olhares na linda mulher, que começou a murmurar algo inaudível. Tentou a primeira vez e não conseguiu. Tentou uma segunda e nada. O silêncio era total, assustador. Parecia até que toda a cidade estava assistindo aquela cena. Até que na terceira tentativa ela conseguiu pronunciar uma única palavra: – Maria!

Foram trinta segundos de uma eternidade sufocante, até que a mulher tomou o rumo da porta principal da igreja. Seu andar fazia-lhe parecer uma modelo na passarela. Os presentes, boquiabertos, acompanhavam seus passos pelo corredor entre os compridos bancos de peroba. De repente, não mais a viram. Ela sumiu, entre os pesares dos homens e os alívios das mulheres. Muitos procuraram por ela, mas ninguém sabia onde estava aquela misteriosa mulher.

Uns quinze dias depois, para espanto geral da pequena cidade, a mulher voltou com uma grande sacola de papelão esgarçado na mão. Aparentava estar bem de saúde e ostentava um sorriso esfuziante. E ainda mais, falava como nunca. O padre tentou de todas as maneiras levá-la para a paróquia. Em vão. Muitos ofereceram seus lares. Em vão. A bela mulher tinha prazer em andar vagando pelas ruas e pela zona rural da cidade. Sua simpatia apaziguava o pior dos ranzinzas. Sua educação amainava o pior dos incrédulos. Apesar de todo o carisma, de sua beleza e de suas roupas simples incrivelmente alvas e brilhantes, não havia como deixar de considerá-la fora do juízo perfeito. Por isso, todos passaram a chamá-la de Maria Louca. E quando a chamavam de Maria Louca, ela, mostrando os dentes perfeitos num sorriso inocente, respondia com atenção e carinho.

Maria Louca passou a fazer parte do folclore do lugar. Rodava pelos bares e restaurantes em busca de alimentos. Ninguém negava nada. Depois de certo tempo ela mudou seu comportamento e começou a pedir dinheiro. Alguns se prontificaram de imediato. Outros estranharam de início, mas não recusaram a ajuda. E outros não aceitaram a mudança, e negaram.

Completados trinta dias da nova faceta de Maria Louca, quando a maioria já começava a não demonstrar mais a mesma admiração pela andarilha, eis que ela surge na praça da Matriz logo após o término da missa de domingo. Centenas de pessoas de olhos atentos vislumbraram a misteriosa mulher levantar o braço direito com um maço de dinheiro na mão e a mão esquerda com uma sacolinha de moedas que fazia questão de vibrar. Ajoelhou, agradeceu as ofertas do povo, depositou a quantia na sacola molambenta e com um sorriso de Monalisa se retirou. Naquele instante, uma espécie de arrependimento por ter ajudado aquela mulher tomou conta da população. Afinal de contas, era o pensamento deles, ela passou o mês todo pedindo dinheiro e agora vinha brincar com o sentimento daqueles que a ajudaram.

O restante do domingo só teve um assunto: o gesto irônico de Maria Louca em mostrar o dinheiro que tinha arrecadado. E por causa disso, começaram a falar mal dela. Diziam que todo aquele jeito de ser tinha sido puro fingimento para tomar dinheiro deles. Diziam que, se reparassem melhor, ela não era assim tão bonita. Muitos já diziam que ela era vesga. Outros diziam que Maria Louca era manca. E muitas mulheres passaram a dizer que ela tinha um seio maior que o outro e que suas pernas eram repletas de varizes.

Segunda-feira de manhã, sol radiante no céu, o comércio já em funcionamento. Eis que surge Maria Louca, radiante, com sua enorme sacola molambenta. Entrou numa loja de brinquedos e comprou alguns. Mansamente, numa outra loja comprou umas roupas para crianças. Os atendentes de caras emburradas. Elegante e lindamente entrou em várias lojas e consumiu todo o dinheiro que havia arrecadado com produtos para crianças.

À noite, toda a cidade comentava: Maria Louca distribuiu tudo o que havia comprado às crianças pobres. O espanto era geral. Outro arrependimento tomou conta do povo daquela cidade que a execrara no dia anterior. E passaram a tratar Maria Louca como antigamente. Ela voltara a ser querida por todos. E a cada mês sua rotina era a mesma: arrecadar dinheiro e investir tudo em utilidades para as crianças pobres, incluindo alimentos básicos. E assim Maria Louca se comportou por muitos anos, talvez uns 10, 20 ou até mais, não se sabe ao certo.

Até que um dia algumas pessoas perceberam dois grandes detalhes. Todos os adultos que vivenciaram Maria Louca desde a sua chegada já estavam com idade avançada. Muitos já haviam falecido, mas Maria Louca continuava bonita, elegante e jovem, não apresentando nenhum sinal de envelhecimento. E agora, aquelas poucas pessoas, além da mocidade eterna da misteriosa mulher, de repente lembraram que em muitas ocasiões ela surgiu com a pele negra e mais brilhante, e sempre linda. Como nunca tinham reparado nisso, pela alva e negra intermitente? Nisso, enquanto estes dois detalhes que passaram despercebidos corriam de boca em boca, Maria Louca estava diante de Tiziu, um rapaz de quinze anos que ela havia salvo das drogas e, agora trabalhador honrado, atuava como peão numa fazenda de gado de leite. Depois de ter recebido um forte abraço de sua salvadora, um pressentimento dizia a Tiziu que não mais veria Maria Louca. E, realmente, ninguém nunca mais viu Maria Louca. Misteriosamente, como chegara, Maria Louca sumiu. Durante muitos anos, Tiziu e toda a população procuraram por ela. Toda a cidade viveu a esperança de que Maria Louca voltasse algum dia. Mas ela nunca mais voltou.

Muitos anos se passaram. Longos e tristes anos pela ausência de Maria Louca. Tiziu, que obteve sucesso na vida graças à intervenção da maltrapilha, havia alcançado a condição de proprietário de uma fazenda de gado de leite e vivia com bastante conforto. A nova geração da cidade não conheceu Maria Louca, ora branca, ora negra. Apesar de a personagem ser assunto comum em todas as rodas de conversa, ela se transformara numa lenda, apenas uma lenda. Era comum um grupo de jovens conversando sobre qualquer assunto quando passava por eles algum andarilho. Imediatamente comentavam que não era que nem a Maria Louca; que não era linda; que não andava com uma sacola molambenta cheia de presentes para distribuir às crianças pobres.

Num belo dia, segunda-feira de muito sol, Tiziu foi até uma pequena cidade do Sul de Minas para comprar umas vacas de leite de um produtor famoso do lugar. Durante uma pausa nos negócios, enquanto lanchavam a esposa do fazendeiro comentou sobre o aparecimento na cidade de uma mulher esquisita que havia sido recolhida pelo padre da paróquia. Imediatamente veio à mente de Tiziu a lembrança de Maria Louca. Curioso, perguntou por mais detalhes. Ouviu que a misteriosa mulher havia surgido do nada e que era muito bonita. Ninguém sabia de onde tinha vindo.

Tiziu se sentiu incomodado com aquela informação, querendo crer que a realidade dos fatos não poderia jamais associar o caso com o de Maria Louca. Com a mente embotada pelo que ouviu, encerrou as negociações e tomou o rumo de casa. Mas aquela informação não saia de sua cabeça. Emocionado, ele se dirigiu até a Matriz. Profundamente extasiado, entrou. Dentro, percebeu várias pessoas consolando uma mulher. Num instante, todos repararam a presença do estranho e viraram seus olhos para Tiziu. Ele lá, tremendo e suando aos píncaros.

E do meio daquelas pessoas, pôs-se de pé uma mulher. Linda, exuberante e resplandecente. Tiziu mirou aquela figura e suas pernas bambearam. Sentou-se. Serenamente, a mulher se afastou do grupo e foi até ele. Suas mãos sedosas tocaram seu rosto. Havia nela uma luminosidade que ofuscava seus olhos. A mulher o pegou pelas mãos e o colocou de pé. Ele tremia, quase em estado de convulsão. A mulher colocou a palma da mão direita sobre sua cabeça. Um sorriso contagiante moldava seus lábios sensuais. Uma calma impressionante se apoderou de Tiziu. Como se libertado de todos os pecados do mundo, ele se virou, inebriado, e partiu de volta para sua cidade. Maria Louca estava mais linda e exuberante do que nunca.

Um dia, num sonho, ela se transpareceu a mim, branca, negra, linda e sensual. Veio serenamente, com as mãos estendidas como anjo e nunca mais saiu de meu pensamento. Só não sei onde ela está neste exato momento, mas eu a espero candidamente, eternamente, até que eu não seja mais que um simples propósito de sua real ilusão!

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Blibliotecaets.blogspot.com.

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