Em seu livro Domínio de Pecuários e Enxadachins, que conta a história de Patos de Minas desde os primórdios até o início da década de 1970, o historiador patense Geraldo Fonseca se referiu ao Professor Antonio de Jesus com as seguintes palavras:
Teve aula particular, por muitos anos, na esquina de Rua Tiradentes com a Travessa do Queiroz. Em 1920, ainda funcionava. Uma incognita. Rosto, coberto por espessa barba. Olhos fuzilantes. Religioso ao extremo. Diziam que viera de São Paulo, perseguido. Sua cultura era notável. Atesta-o um artigo assinado, em “O Trabalho”, edição de 3 de março de 1907. O nome, evidentemente, escondia o outro que ele nunca quis revelar.
Outro historiador, Oliveira Mello, em seu livro Patos de Minas: Capital do Milho, assim se refere ao professor:
Alfredo Borges, em 1915, instalou uma escola primaria particular, mista, em sua residência, na Rua Tiradentes e, como seu auxiliar trouxe o Prof. Antônio Jesus Maria José. Homem culto, de vida misteriosa, vindo de São Paulo, que não gostava de falar sôbre sua vida, e muito menos de seu passado e de sua origem. Profundamente católico, chegou a ponto de enfrentar polêmicas públicas, a fim de defender a Doutrina.
As duas fontes citadas pouparam nas palavras a respeito do Professor Antonio de Jesus. Quem sabe, talvez, pela falta de uma pesquisa mais aprimorada. Na verdade, o professor era muito conhecido na cidade. Além de lecionar, ele trabalhou, nos anos 1920, como jornalista no Jornal de Patos. A edição de 23 de agosto de 1925 daquele jornal publicou uma matéria em homenagem ao seu aniversário onde revela algumas particularidades de sua vida, deixando bem evidente que o Professor Antonio de Jesus Maria José não era assim tão incógnito e misterioso:
É com o máximo prazer que sahimos hoje dos nossos habitos para noticiar o anniversario do venerando ancião que honra as nossas columnas com a sua apreciada, sabia e proveitosa collaboração. E não é só escrevendo que nos auxilia esse nobre amigo.
Quantas vezes em nossa redacção nos proporciona momentos de satisfação com sua palestra agradavel e erudita de que sempre sahimos aprendendo alguma cousa de util? O seu exemplo de homem prudente e morigerado no escrever tem nos servido para que nós nos contenhamos toda vez que a nossa mocidade de deixa inflamar pelo enthusiasmo cujo excesso poderia muitas vezes prejudicar a causa pela qual nos batemos.
E assim procedendo, nada mais fazemos que prestar uma singela homenagem a essa velhice fecunda animada por uma alma moça, abrigando um coração de ouro.
Nasceu Antonio de Jesus Maria José em Piracicaba, Estado de S. Paulo, a 24 de agosto de 1850. Filho legitimo do tte. Jesuino José Soares de Arruda e de d. Maria Gertrudes de Arruda, estudou as primeiras letras em casa de seus paes, frequentando em 1869 um collegio em Araraquara.
Empregando-se depois como praticante de pharmacia em S. Carlos do Pinhal, deixou este emprego para gerir, em 1872, um negocio de seu pae, na então Capella das Pedras, municipio de Araraquara, de onde transferiu-se para a cidade de Jahú, onde, abandonando o commercio, fez-se mestre-escola.
Em 1887, passou-se para Sant’Anna, no Estado de Matto Grosso, onde continuou a leccionar.
No anno seguinte, 1888, entrou para o Seminario Menor de Campo Bello do Prata.
Não podendo continuar o seus estudos, conforme desejava, transferiu-se para Apparecida do Norte, no seu Estado natal, onde foi auxiliar da redacção do hebdomadario “Estrella d’Apparecida” até 1890.
Deixando esta folha, veio elle para o Municipio de Patos, em 1891, abrindo uma escola em Palmeiras.
Em 1892, passou para a fazenda do Jardim onde ora leccionava, ora trabalhava na lavoura.
Nesse mesmo anno, foi chamado, novamente, á Apparecida do Norte, para dirigir a “Luz d’Apparecida”, até 1895, e a “Folha da Apparecida”, até 1896, anno em que mudou-se para Campos do Jordão, hoje Villa Jaguaribe, S. Paulo, onde abriu escola e leccionou até 1898.
Onde quer que estivesse porem, não gozava da menor tranquilidade. Por toda parte de seu Estado onde se achasse ahi estava de uma maneira atroz e insistente a perseguição maçônica iniciada pelos proprios parentes, em sua propria casa paterna. Sentindo-se assim coarctado em sua liberdade de pensar, temendo cahir vencido, perder a fé christã ou desapparecer mesmo de uma maneira inglória, resolveu regressar a Palmeiras deste Municipio, onde permaneceu, com pequenos intervallos, até 1912.
Leccionando sempre pelas roças, sempre acatado e feliz na sua solidão voluntaria, em 1916, foi chamado a esta cidade, para leccionar no “Externato S. Josê”.
Em 1917, voltou á sua solidão, a ensinar pelas roças, até que, extenuado de forças, veio, novamente para esta cidade, este auno, onde é respeitado, querido e venerado.
Escriptor primoroso, jornalista experimentado e profundo conhecedor das Sagradas Escripturas, escreveu elle um precioso opusculo “Atravez da Biblia”, o qual mereceu de S. Excia. o Sr. Bispo D. Eduardo Duarte Silva, a devida approvação acompanhada de palavras elogiosas e de felicitações ao autor.
Eil-o agora, com 75 annos de idade, a nosso lado, combatendo com o ardor da mocidade pelo bem commum da terra tão querida que é o Municipio de Patos.
Nós o abraçaremos amanhã pelo seu natalicio e fazemos a Deus os nossos melhores e mais ardentes votos pela conservação de sua preciosa existencia.
Felicidades.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fonte: Edição de 23 de agosto de 1925 do Jornal de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Vocesabia.net, meramente ilustrativa.