CRAVO E A JANELA, O

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Naquela primavera havia muita rosa florindo nos canteiros da Avenida Benedito Valadares¹, e também outras flores se abriam cândidas, perfumadas, enfeitando os jardins da pequena Patos.

Repetindo o gesto eternamente ridículo de uma alma enamorada, ele colheu um lindo cravo, em botão, e, como símbolo de seu grande amor, foi levá-lo à mulher de seus sonhos. Palpitando de emoção lhe entregou a flor, e ela indiferente, sorrindo, a recebeu.

Neste dia, ela, na infinita maldade de mulher bonita que se sente amada, disse-lhe da aversão que por ele sentia, do desprezo que tinha por suas juras de amor e do aborrecimento que lhe causava a sua profunda e imensa adoração.

Ele partiu para não mais voltar, e ela gargalhou, atirando o cravo num canto esquecido. Mas, não se sabe como, na manhã seguinte, à sua janela, outro cravo apareceu. Era irmão do outro e não fora colhido em nenhum jardim, nem mãos humanas o haviam tocado.

Ele implorara a Deus para que lhe mandasse cravos. Flor que lhe haveria de sempre recordar um grande e puro amor que ele lhe havia dedicado, mas que também lhe lembrasse a sua maldade e o seu orgulho.

Então, naquela janela, de vez em vez, aparece um cravo que traz um perfume do céu. E dizem que ela não o toca, e em toda parte o vê. Tem medo de atirá-lo fora. Receia beijá-lo e aspirar-lhe o perfume inefável. Às vezes chora, outras vezes, maldiz. Anda de um lado para o outro, e sempre tem a visão do cravo que ela jogou num canto e dos outros irmãos que lhe amanhecem à janela. Ninguém sabe qual será o seu fim, e se alguém, pela madrugada passar-lhe à vista da janela, vai vê-la espreitando a mão invisível, que, de quando em quando, lhe deixa um cravo.

Dizem que a flor desce do céu com o sereno da noite. É que Deus santificou o amor, e as flores que nascem nos montes ou nos jardins, à beira dos cursos d’água ou na rocha viva, são expressões desse mesmo sentimento vivificador, devem também recordar a sublimidade desse afeto divino.

Na mesma janela, por muito tempo ainda, um cravo aparecerá, e dizem que quem o apanhar será sempre feliz com os seus amores. Ela, no entanto, nunca o tocará.

* 1: Hoje Avenida Getúlio Vargas.

* Fonte: Texto de Zama Maciel publicado com o título “A Lenda da Janela e do Cravo” na edição de 04 de outubro de 1942 do jornal Folha de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto de rfitaperuna.com.br.

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