TEXTO: DIRCEU DEOCLECIANO PACHECO (1984)
Lembro-me dos idos da década de 50, quando estudante, em Belo Horizonte, instalado nos então modernos ônibus Chevrolet, da linha 73 – cujo número aparecia muito bom estampado ao lado de patinhos em uma lagoa, nos pára-brisas e vidros traseiros daqueles veículos, com seus porta-malas sobre o teto, protegidos por lonas fortemente amarradas com cordas – partia de Patos às cinco ou seis horas para a “grande viagem”.
Iniciando já por curvas fechadas logo ao fim da Major Gote, descíamos o Ribeirão da Fábrica e da mesma forma seguíamos até a Serra da Saudade, cuja travessia se constituía em um verdadeiro risco de vida, pegando em seguida um suculento almoço em Melo Viana, para finalmente, coberto de poeira da qual nem os velhos guarda-pós podiam proteger, chegar à capital mineira às quinze, dezesseis ou dezessete horas, conforme a sorte do dia.
Depois vieram o asfalto e os possantes e confortáveis ônibus Mercedes, Scânia e outros mais e a longa viagem que antes mais parecia um pesadelo, passou a ser confortável, agradável e até rápida; os quatrocentos e tantos quilômetros foram reduzidos para aproximadamente trezentos e oitenta.
Os ônibus entregues a motoristas responsáveis e competentes, podiam daí em diante, em perfeita consonância com a lei federal que limita a velocidade em 80 km horários, cobrir o percurso até em cinco horas, ou pouco mais, sem riscos para os passageiros e mesmo sem necessidade das correrias de outrora, nos trechos que ofereciam melhores condições.
Entretanto, de uma certa época para cá, por imposição não sei de quem ou se por decisão da empresa, estipulou-se um tempo de viagem inteiramente incompatível com a época e as condições: sete horas e trinta e cinco minutos para os horários diurnos da linha 73; seis horas e quinze minutos para o horário meia-noite e seis horas e cinquenta minutos para os outros noturnos, enquanto que para a linha 11 (via Três Marias), foi fixado o tempo de sete horas e trinta minutos.
Então, a viagem agradável se transformou em um martírio e não é raro se ver o velocímetro do ônibus, em retas maravilhosas, acusar 40, 50 ou 60 km/hora, enquanto que o pobre motorista se desgasta “segurando” o pesado veículo e a paciência do passageiro vai se esgotando.
A chegada em Belo Horizonte, então, é irritante. Gasta-se da Praça da CEMIG até a Rodoviária, mais de uma hora, vendo-se outros ônibus intermunicipais ou urbanos, ultrapassando o pachorrento “Patos de Minas”.
E os motoristas que se cuidem, porque segundo vários deles me informaram, a quebra do horário em um minuto que seja, representa um “gancho” de três dias e assim, eles vão correndo até os riscos de agressões físicas, como aconteceu há pouco com um deles, quando um passageiro apressado em cumprir um horário (que poderia ser cumprido folgadamente, não fora a “lei”), acabou por agredi-lo com uma cadeirada, quebrando-lhe o braço, quando ele jantava no Restaurante Monte Líbano.
O que se observa é o inconformismo dos motoristas e a irritação dos passageiros, ante uma situação que parece ser perfeitamente contornável e por isto, lanço daqui o meu primeiro brado, na esperança de que outras vozes se levantem e as pessoas responsáveis pelo assunto, procurem amenizar a situação, aparentemente muito fácil de se resolver.
* Fonte: Texto publicado com o título “A Passo de Tartaruga” no Editorial da revista A Debulha, edição n.º 90 de 15 de abril de 1984, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Gartic.com, meramente ilustrativa.