Há, em Patos, atualmente, manifesta curiosidade pelo seu passado. E muita gente me pergunta por que não se escreve uma história de nossa cidade. Este desejo inundou já as esferas oficiais, e o Secretário da municipalidade participou-me que é intento do Snr. Prefeito comemorar condignamente a data de 24 de maio que assinala a passagem do aniversário da cidade, nos seus cincoenta anos de vida.
Entre as providências a ser tomadas para as comemorações, avulta a que se refere à publicação dos documentos de valor histórico existentes no arquivo da Prefeitura, das igrejas do Município e em mãos particulares. A catalogação destes papéis ficará a cargo do Conselho Municipal de Geografia, do qual é presidente o próprio Prefeito e Secretário o Snr. Randolfo Borges Mundim.
Com a publicação deste documento terá o historiador aberto o caminho para recompor a nossa vida passada. Logo de início, terá êle de enfrentar dificuldades que poderiam sanadas caso colaborassem com a Prefeitura de Patos, as edilidades vizinhas, maximé as de Paracatú e Patrocínio. É que o nosso município se formou, girando em torno destes dois antigos centros de povoamento do oeste mineiro.
Os primeiros habitantes destes vales e chapadas, onde hoje labuta o mais expressivo aglomerado humano desta região, são, em maioria, oriundos das duas velhas cidades. Ora, assim sendo, é nos arquivos patrocinenses e paracatuenses que terá o pesquisador de se aleitar se quizer reviver com exatidão os primórdios de nossa vida como núcleo social.
Acontece, no caso de Patrocínio, que a cidade vizinha tem, no mês de Abril, grande data que comemorar o centenário da instalação da vila, isto é, o centenário de sua vida como centro político independente, quando se separou da terra dos Araxás.
Seria, portanto, interessante que os poderes públicos de Patrocínio tomassem deliberação semelhante àquele tomada pelos de nossa terra.
O valor deste passo não carece de demonstração.
De algum tempo a esta parte, alguns estudiosos procuram elucidar pontos obscuros da história de Patrocínio, e Sebastião Eloi, patrocinense de duzentos anos e, portanto, patense de cem, publica no seu jornal o resultado das pesquizas , contribuindo assim para enriquecer o patrimônio espiritual de sua linda cidade.
E quasi ninguem tem dado valor ao esforço destes abnegados e, dizem as más linguas da bela cidade dos campos ondulados, que certo funcionário da Prefeitura pretende queimar os papeis velhos que entulham a casa, dando assim, acima de tudo, a mais cabal demonstração de seu desrespeito ao acervo de tradições locais e prova acabada de pouco amor à terra que o acolhe.
Como não tenho por habito fazer acusações sem precisá-las, vou logo declarando o nome do inimigo das tradições patrocinenses (e de nossa terra tambem), que é o do meu parente Lázaro de Melo Ribeiro, Secretário da Prefeitura, filho de um patrocinense ilustre, o querido e inesquecivel Modesto de Melo Ribeiro.
Quando disse acima dizem as más linguas, fi-lo porque as informações que colhi a respeito das intenções do aludido funcionário causaram-me tamanha estranheza que as atribui à maledicência, bem que colhidas de muitas vozes respeitáveis.
Murmuram tambem essas más linguas que o antigo vigário da paróquia de N. S. de Patrocínio fez derrubar a primitiva igreja, em torno a qual se formou a cidade, vendeu-lhe os altares trabalhados em ouro para serem desmanchados, destinando o produto a outras obras de piedade que julgava mais uteis. Este vigário é o Snr. Padre Tiago secretário do bispado de Uberaba, orador e intelectual conhecido em toda a zona. Não sei até onde vai a verdade destes murmúrios de rua, de café, de cozinha, etc., mas como são eles a voz do povo, passam a ser a voz de Deus…
Sobre este ponto de vista, não me interessam as pessoas do Secretário nem do conhecido conego. Trago o caso à baila, no unico intúito de chamar para ele a atenção dos responsáveis pelas cousas da vizinha cidade, bem que não precisem os patrocinenses advogados estranhos.
Os documentos históricos, as relíquias veneráveis que ornamentam as nossas igrejas (algumas, como as de Paracatú, exibindo a tão conhecida “vetustez andrajosa”) os objetos velhos que nos falam do passado de onde vimos, constituem patrimônio comum da nacionalidade.
Evocam eles a vida de nossos antepassados, com ele podemos reconstituir os hábitos e costumes dos nossos maiores. Falam a nossa sensibilidade, são partes do nosso eu, amalgamam os nossos sentimentos, explicam o nosso carater presente, e delineiam as rotas do futuro.
Temos a obrigação de por eles zelar como cousa nossa, herdada dos antepassados e que devemos transmitir, acrescidos do traço de nossa época, às gerações que hão de vir.
Esta é a voz de um brasileiro de quatrocentos anos, que, nesta expressão, tenta plagiar (porque o pode na força do conceito). O eminente “paulista de quatrocentos anos” que foi Alcântara Machado.
Recebam todos os compatrícios que me deram a honra da perda de alguns minutos para leitura destas linhas a certeza de que minha intenção ao traça-las é tentar revolver sentimentos adormecidos, quais os de amor à terra natal exteriorizados no cultivo cívico de suas tradições honrosas.
Essas tradições cimentam a estrutura social dos povos, alimentam a energia coletiva e retratam a alma da massa.
Ajuda no esforço de cultua-las é o objetivo que me impeliu a redigi-las. Este e nenhum outro!…
* Fonte: Texto publicado com o título “Comentários…” na edição de 08 de março de 1942 do jornal Folha de Patos, do arquivo do Laboratório de História do Unipam.
* Foto: Folha 1 da escritura de doação feita por Silva Guerra, do livro Uma História de Exercício da Democracia – 140 anos do Legislativo Patense, de José Eduardo de Oliveira, Oliveira Mello e Paulo Sérgio Moreira da Silva.