Numa certa ocasião, em 1954, vereadores da UDN e do PSD participavam de uma reunião na Câmara Municipal. Como era tradicional naqueles tempos, o clima era sempre tenso quando eles se ajuntavam. De cada lado não faltavam aqueles que adoravam criticar, avivar o fogo da fornalha para, na verdade mesmo, atiçar uma intriga.
Como de costume, o arranca-toco começou à uma hora da tarde de um verão muito calorento. No meio da turma tinha um edil fazendeiro já de idade avançada, que não perdia tempo em se sentar na última fileira de cadeiras para tirar “uma palha” sossegado enquanto as chispas comiam a torto e a direito plenário a dentro.
O idoso vereador havia dado a permissão para que uma estrada passasse dentro de sua propriedade rural no Distrito de Chumbo a fim de servir ao Município. Tudo legalmente oficializado. E nesse dia seria votado o pedido do Prefeito para a Câmara autorizar a construção da tal estrada. Quando o projeto foi posto em discussão, o líder da UDN pediu a palavra para elogiar o doador:
– O venerando senhor “José das Couves” teve a honra de conceder a oportunidade para a Prefeitura construir uma estrada em sua fazenda. Uma atitude digna, muito boa, porque vai beneficiar um grande número de pessoas daquele Distrito. Agradecemos, pois, a este venerando senhor vereador.
Enquanto isso o “venerando senhor vereador” continuava tranquilo no seu cochilo. Nisso, aquele que era chegado numa intriga, cutucou-o e lhe disse:
– Acorda aí, colega, que estão te xingando.
O dorminhoco acordou meio assustado.
– O que é que é, o que foi?
– O outro está lá te xingando.
– Xingando de quê?
– Está te xingando de “venerando”.
– Uai, o que é que é isso, venerando?
– Ora, presta atenção. Venerando é um velho caduco e ainda por cima mal pagador, e ainda bronco e que não vale mais nada.
Pra que! O idoso vereador se levantou, mais vermelho que tição em brasa, com o dedo em riste e cortou a fala do orador:
– Olha, você está me xingando de venerando, eu não sou venerando porcaria nenhuma, e saiba que venerando é o senhor. Que é que isso, você me respeita, sou bem mais velho que você e não permito que me desacate assim na frente dos colegas.
O orador, surpreso, interrompeu o venerando:
– O que isso, senhor “José das Couves”, eu insultando vossa excelência? Eu estou fazendo justamente o contrário, elogiando vossa excelência pelo ato da doação. Esse venerando não é um palavrão, não é xingamento não. Venerando é um senhor de respeito, que trata os outros com respeito, é bondoso, exatamente assim como o senhor é.
Mas o “José das Couves” não acreditou nas palavras do colega:
– Não, eu estou sabendo aqui que venerando é outra coisa, você está é me desrespeitando.
E virou uma confusão tremenda. O idoso edil se levantou da cadeira e quis partir para a briga, sendo seguro à força. O presidente da mesa tentou de todas as formas acalmar os ânimos, em vão. Então decidiu:
– A sessão está encerrada, pois com esta baderna não temos como votar o projeto da estrada.
Mas ninguém conseguia calar o “José das Couves”:
– Mas o que é que é isso? Nunca ninguém me xingou de venerando, é um desrespeito, venerando é ele…
Calma daqui, calma dali, e depois de muito tempo os ânimos se acalmaram. Então o presidente da mesa falou:
– Agora que a paz voltou a reinar, acredito que podemos continuar a sessão para votarmos o projeto da estrada, que é de fundamental importância para o Município. Mas, por tudo quando é mais sagrado neste mundo, peço que ninguém aqui se refira mais a um colega como venerando.
E assim o projeto da estrada foi votado e, naturalmente aprovado. Como o dito, aconteceu em 1954. Então eram 15 vereadores e, mais uma vez, o encrenqueiro havia arranjado mais uma confusão, mais uma intriga. Dizem que era assim em todas as sessões, ele sempre provocando briguinhas entre os colegas. Até chegaram a falar em caçar o mandato dele. Mas ele, de intriga em intriga, foi até o fim.
* Fonte: Texto de Eitel Teixeira Dannemann baseado em depoimento colhido de um morador do Distrito de Areado por Fausto Fernandes Mundim, cujo original está arquivado no Laboratório de História do Unipam. Fausto foi funcionário-arquivista da Câmara Municipal por mais de 50 anos.
* Foto: Gartic.uol.com.