Meu amigo Guará¹ reside próximo à Praça do Rosário. Antes de se aposentar, era funcionário público, daqueles um pouquinho diferente dos demais, pois sempre cumpria com as suas obrigações e tinha um carinho tremendo pelo contribuinte, sabedor que era o contribuinte que lhe pagava o salário. O pequeno problema do amigo é que não consegue ficar uma noite sequer sem tomar um porre. Não tem jeito.
Sóbrio ou bêbado, o Guará possui uma particularidade fatal: ele fala o que pensa e fim de papo, pouco importando se o ouvinte gosta ou não. Há poucos dias ele voltava de uma caminhada na orla da Lagoinha quando entrou num supermercado perto de sua residência para atender um pedido da sofrida esposa que aturava suas bebedeiras com tanta benevolência.
Na fila do caixa, uma mulher esperava a sua vez. Os dois olhos do Guará, ainda sãos e salvos do álcool naquela manhã de sol ardente, não se afastavam dela. Ele conferiu: 1 caixa de chocolate Garoto, 2 latas de cerveja sem álcool, algumas bananas, cenoura, 1 pé de alface e outras bugigangas. É, nada de interessante. E continuava com os olhos grudados na mulher, que já estava sem jeito e perdendo o rebolado com aquela incoerência visual de um fulano que nunca havia visto na vida. Ele percebeu que a mulher já estava para lhe dizer algo, mas antecipou:
– A senhora deve ser solteira.
Espantada com as palavras, a mulher se admirou com a intuição do homem, pois, realmente, era solteira. E o Guará lá, de olho nela. E ela olhava pra ele e para as compras, tentando imaginar se os itens poderiam ser alguma indicação de solteirice. Não percebeu nenhuma relação e, curiosa, se virou para o Guará dizendo:
– E não é que você acertou. Afinal de contas, como descobriu que sou solteira?
A sensibilidade do Guará explodiu em curtas palavras:
É porque você é feia pra caramba, nusga!
Foi uma confusão mais ou menos tremenda, pois a ofendida levou a mão no carrinho e pegou a primeira coisa que encontrou: o pé de alface. Resultado: o Guará chegou em casa com pedaços da hortaliça entranhados nos cabelos e foi uma dificuldade enorme para a esposa acreditar no que realmente aconteceu.
* 1: Leia “Guará-Manguaça e o Relógio Maldito”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.