ESTADO DO TRIÂNGULO

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TRIÂNGULO 1 - pt.wikipedia.orgDe tempos em tempos surge entre a classe política a vontade de separar determinado Estado da União. Costumam dizer os interessados que a situação em que vive o Estado no contexto nacional não satisfaz as necessidades dos habitantes que residem na área. As mais recentes separações aconteceram em Mato Grosso (1977, com a criação de Mato Grosso do Sul) e Goiás (1988, com a criação de Tocantins). Em 2011 tentaram separar o Pará (para a criação de Carajás e Tapajós), mas não aconteceu.

Minas Gerais não ficou de fora deste intermitente movimento de emancipação. A proposta de transformar o Triângulo Mineiro em Estado é antiga. Em 1835 o fazendeiro e líder político de Araxá Fortunato Botelho liderou o primeiro movimento. De lá para cá vários outros ocorreram, como bem demonstra a foto acima.

Em sua monografia “O Movimento Separatista do Triângulo Mineiro”, Rogata Soares Del Gaudio Longhi comenta: “O movimento separatista triangulino de 1988 possui algumas similaridades com aqueles que objetivam a criação de ‘Estados Nacionais’: a afirmação de uma identidade com base no território, na antiguidade histórica do movimento e na vontade popular. Todavia, ele ocorre dentro de um Estado nacionalmente constituído e, justamente, naquela unidade que se auto-proclama ‘geratriz’, “equilíbrio entre os extremos”, ‘berço cívico da brasilidade’. Os triangulinos fizeram uma tentativa de criar nova identidade a partir de uma negação-incorporação da mineiridade, onde o ‘gosto pelo moderno’ e o ‘horizonte largo’ se opõem à ‘opressão da montanha’ e ao ‘conservadorismo’”.

E os políticos de Patos de Minas tiveram participação ferrenha na tentativa de transformar os “mineiros patenses” em “patenses triangulinos”. A edição de 24 de maio de 1988 do jornal Correio de Patos publicou a matéria “Projeto do Estado do Triângulo Volta à Pauta”:

A discussão do projeto que cria o Estado do Triângulo volta à pauta na Assembléia Nacional Constituinte, na forma de destaque que será apresentado pelo Constituinte Chico Humberto (PDT-MG), ainda neste mês.

Segundo o coordenador Regional do Movimento, Waldemar Rocha Filho, as esperanças se reacenderam após a aprovação da emenda do deputado Chico Humberto que determina que o plebiscito seja restringido à região interessada na emancipação, no caso apenas nos 75 municípios componentes do novo Estado.

O Coordenador informou ainda que o governador Newton Cardoso está “jogando pesado”, uma vez percebendo que as possibilidades para a criação do novo Estado são muito grandes.

O movimento tem realizado reuniões com os deputados constituintes e após estas reuniões têm-se percebido um clima de otimismo, uma vez que os deputados que não são da região, mas que mostram um interesse em apoiar o movimento.

Dr. Waldemar Rocha Filho afirma que o movimento espera que os prefeitos e os deputados da região do Alto Paranaíba continuem firmes no propósito e na posição favorável à criação do novo Estado, referindo-se ao possível “amaciamento” tentado pelo governador Newton Cardoso, com estas lideranças.

Apesar de entender que o ex-deputado José Mendonça de Morais tenha qualidades para dirigir a Pasta da Agricultura em nosso Estado, sua indicação poderia ter alguma conotação de “contentamento à nossa região” exercida pelo governador, como forma de resposta às reivindicações da região, destacou Waldemar Rocha Filho. No entanto, complementa, este fato é altamente positivo porque demonstra que a região e o movimento estão conseguindo catalisar as atenções necessárias para Patos de Minas e Triângulo Mineiro, concluiu.

T2Rogata Soares diz mais: “De certo modo, o discurso anti-separatista até fomenta um certo preconceito em relação ao movimento separatista, pois, se ‘esta área é rica’, tal riqueza foi adquirida a partir dos investimentos realizados pelo governo estadual. Para os mineiros, portanto, os separatistas apenas se utilizam desse movimento com o objetivo de conseguir mais investimentos e mais atenção do governo estadual, em detrimento das áreas mais pobres. E significaria uma perda dos investimentos já realizados no Triângulo pelo Estado”.

Enquanto isso, em Patos de Minas, Waldemar Rocha Filho expandia os ideais do movimento numa matéria publicada no jornal Correio de Patos em sua edição de 24 de maio de 1988, com o título “O Estado do Triângulo: O Grito da Maioridade”:

Nós, os simpatizantes do novo Estado do Triângulo, sentimos o quanto estamos próximos da grande data festiva. A data da nossa Maioridade, quando passaremos a dirigir a nós mesmos, assumindo as responsabilidades do nosso próprio destino.

A nossa personalidade coletiva vai se formando e afirmando, enfrentando as dores, incompreensões e as lutas que são o quinhão inevitável de todo Povo em caminho de se emancipar. E tudo vai acontecendo de maneira democrática e ordeira, consciente e com grandeza de propósitos, respeitando as críticas e as argumentações pobres de conteúdo ou batidas pela dinâmica dos tempos.

O movimento emancipacionista é tão somente alimentado pela vontade afirmativa e própria de um Povo adulto. Um povo que não esquece de seu passado cheio de gloriosas tradições, vive as dificuldades do momento presente e busca, nas linhas de um novo horizonte, o melhor futuro para as novas gerações.

Inexiste nesta cruzada cívica e histórica que estamos vivendo, qualquer traço hostil ou de ingratidão. O bom filho quando cresce e constitui o seu próprio lar não altera seus laços afetivos com a família, não diminui o seu amor filial para com os seus pais. Ao contrário, muitas vezes o fortalece ainda mais.
A nossa emancipação não significa uma separação, uma ruptura. Jamais deixaremos de continuar admirando Minas Gerais, que acostumamos a amar desde a mais tenra infância.

Optamos pela busca de caminhos próprios numa marcha sadia rumo ao futuro sonhado para os nossos filhos.

Livre para cresceu e estabelecer políticas econômicas e sociais próprias, voltadas para seus interesses e potencialidades, o Novo Estado se definirá logo como forte Unidade da Federação, com área população, renda e riquezas superiores às de muitos estados brasileiros. Com uma administração ágil, moderna e sem vícios, o Novo Estado terá uma economia sólida que lhe permitirá investir, com mais vigor, em educação, saúde, habitação, transporte, etc.

No passado, pertencíamos a São Paulo, depois Goiás. Hoje, a Minas Gerais. Amanhã, pertenceremos a nós mesmos.

O nosso Movimento tem olhos de futuro.

T3Pelas palavras de Waldemar Rocha Filho, podia-se considerar que o Estado do Triângulo já era uma realidade “concreta” e que os patenses em sua maioria assim o desejava. Diz ele que já pertencemos a São Paulo, depois Goiás, hoje Minas gerais e agora pertenceremos a nós mesmos (?). Quanto a estes argumentos apresentados pelos triangulinos para reivindicarem a autonomia regional frente a Minas Gerais, Rogata Soares em sua monografia destaca um texto publicado na edição de 07 de outubro de 1987 do jornal Correio de Uberlândia: “Nossas raízes não são mineiras, e sim o resultado da cultura de três estados que formaram o Triângulo: São Paulo, Goiás, Minas Gerais (…) O Triângulo nasceu em São Paulo, de onde recebeu a capacidade de trabalho e a determinação de abrir novas fronteiras; a ‘infância’ foi passada em Goiás, de onde recebeu o sentimento de brasilidade. Finalmente, a ‘adolescência’ foi passada em Minas Gerais, de quem herdou o espírito indomável da ‘liberdade’ de um povo que não admite ser escravo de ninguém”.

Na verdade, associado à questão política, o que estava acontecendo era uma pretensa “desmineirização”, como destaca Rogata Soares: “A partir da negação dos atributos da mineiridade — ‘no Triângulo não existem montanhas, o triangulino teria ampla visão, enxergaria longe’ — os emancipacionistas procuraram construir uma nova identidade regional — a ‘Triangulinidade’. Apresentaram os mineiros como ‘introspectivos, de caráter moldado pela montanha e seu conseqüente isolamento’. Ao afirmarem que a cultura histórica de Minas foi pouco expressiva na região, enquanto é muito forte no resto do Estado, principalmente na região Central, tentaram, enfim, construir uma ideologia da triangulinidade antagônica e complementar àquela da mineiridade”.

Os emancipacionistas se aproveitaram de um determinado momento político nacional — a realização da Assembléia Nacional Constituinte — para tentar viabilizar a criação de seu Estado. Por isso, jogaram tudo na Constituinte. Patrocinaram viagens de parlamentares ao Triângulo, levaram ônibus cheios de emancipacionistas para acompanharem as votações no Congresso. Tentaram se articular a outras campanhas emancipacionistas – Tocantins -, porém, sem êxito. A força da “mineiridade”, a importância numérica da bancada mineira no congresso e sua articulação, sob a liderança discreta do então governador Newton Cardoso derrotaram a campanha emancipacionista.

A derrota do movimento emancipacionista foi destacada por Waldemar Rocha Filho em uma matéria publica na edição de 11 de junho de 1988 do jornal Correio de Patos, com o titulo “Separação é Difícil, Mas Região Sai Bastante Valorizada”: “Não tenho mais esperanças de que a emenda criando o Estado do Triângulo, ou melhor, que possibilita ao povo desta região decidir através de plebiscito esta criação, vá ser aprovada pela Assembléia Nacional Constituinte”.

Com essa afirmativa, o coordenador regional do movimento pró-emancipação externou seu sentimento quanto à reta final do movimento, que tem sofrido as mais variadas formas de pressão, desencadeadas principalmente pelo governador Newton Cardoso, que vem apertando o cerco de todas as maneiras.

T4Para Waldemar Rocha Filho, “lamentavelmente a mistificação, a mentira, a pressão da máquina administrativa do governo de Minas Gerais, tem sido arma contra a criação do novo Estado”. Para o coordenador regional do movimento separatista, é lamentável um movimento como este, encabeçado pelo jornal O Estado de Minas, de forma parcial e facciosa, contra os interesses do povo da região do Triângulo.

O líder separatista enfatiza também as formas utilizadas e detectadas pela Comissão Geral do Movimento, de pressões efetuadas pelo governador do Estado sobre os prefeitos da região, o que resultou num documento assinado por mais de 60 prefeitos das 75 cidades componentes no novo estado, contra a criação do mesmo.

Um dos signatários deste documento, o prefeito Arlindo, que havia até então se colocado favorável ao movimento teve conotação diferente conforme salienta Waldemar: “o prefeito agiu ouvindo seus companheiros do diretório do PMDB, não sob uma pressão exercida pelo governador, mas sim por um apelo feito no sentido de que o prefeito assinasse tal documento, hipotecando apoio ao governador”. No entanto, destaca o líder separatista, o cidadão Arlindo Porto continua simpático ao movimento e “isto é o mais importante”, complementou.

Para finalizar, o ex-prefeito de Patos Informou que “valeu a pena a realização deste movimento” esclarecendo que a região tem sido mais ouvida pelos políticos mineiros, e cita como exemplo a convocação pela primeira vez de um político patense para ocupar uma secretaria, a autorização para asfaltamento da ligação Presidente-BR 040 e outras obras autorizadas para a região do Alto Paranaíba, concluiu.

Na opinião de Rogata Soares, “Acreditamos que o movimento serviu aos mineiros na medida em que significou um resgate de Minas Gerais no contexto da Federação e que demonstrou a necessidade de homogeneização interna, tanto no plano econômico quanto cultural. Demonstrou, para estes, a necessidade de um projeto político mais amplo e integrador. Serviu também para o resgate e a (re)elaboração da mineiridade, permitindo uma articulação das elites regionais em torno da integridade territorial do Estado. E a mineiridade conseguiu uma vitória quanto ao que explicitava como fundamental: manteve Minas coesa. De certo modo, estabeleceu-se, mais uma vez, uma relação simbiótica que colocou em evidência o especialíssimo regionalismo mineiro no cenário nacional. Ao afirmar a posição de Minas neste contexto, não deixou de contribuir para aumentar a auto-estima dos mineiros, quer fossem do ‘Triângulo’ ou do ‘Jequitinhonha’”.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Fonte: Arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto 1: Pt.wikipedia.org.

* Foto 2: Informativoflagrante.com.

* Foto 3: Professormarcianodantas.blogspot.com.

* Foto 4: Tocadocalango.blogspot.com.

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