Como parte interessada, vou meter meu nariz neste “tititi” separatista. Para começar, é preciso esclarecer a quem interessa a separação. Sim, a quem aproveita? A pergunta clássica dos romances policiais, ponto de partida para o desvendamento dos crimes mais intrincados, vem-me à cabeça ao ver toda essa onda pela emancipação do Triângulo¹ – velha idéia que ressurge com força nova.
Vamos lá. É evidente que ela interessa a Uberlândia, cidade líder do movimento e mais forte aspirante a Capital do novo Estado, pela sua maior força política e sócio-econômica. A escolha de Araxá como Capital provisória faz parte, por certo, de uma inteligente estratégica para conquistar a adesão de outras cidades e, sobretudo, vencer a resistência de Uberaba – já ultrapassada em importância e poderio por Uberlândia e, logo, com poucas chances numa disputa direta com ela. De qualquer forma, sem Uberaba, pela sua importância e tradição, seria difícil a idéia vingar.
A inclusão de Patos de Minas, Araguari, Patrocínio e várias outras cidades na lista de candidatos a Capital, também faz parte da mesma estratégia para conquistar adesões à causa emancipacionista.
Uberaba e Uberlândia, apesar de sua intensa rivalidade, são cidades com muito mais coisas em comum com as corcovas de seus zebus (que a última, aliás, cria em muito menor escala que a primeira). Para começar, ambas vivem sob a influência de São Paulo. Basta ver que os jornais suas populações leêm e para que clubes de futebol torcem, além dos locais.
A situação de Patos e, principalmente, João Pinheiro e Paracatu, cidades que se pretende incluir no novo Estado, entretanto, é bastante diferente. Patos sempre teve forte ligação com Belo Horizonte, onde inclusive, conta com numerosa colônia. No futebol, além de sua aguerrida URT, torce principalmente pelo Cruzeiro e Atlético. Já João Pinheiro e Paracatu são mais ligados a Brasília, pela proximidade geográfica.
Em resumo, enquanto Uberaba e Uberlândia são cidades efetivamente triangulinas, juntamente com um elenco de outras, Patos, João Pinheiro e Paracatu estão inseridas em outros contextos geo-políticos e não têm porque integrar o novo Estado. Assim, a separação, se houver, deveria limitar-se ao Triângulo propriamente dito.
Mas o problema não se esgota aí, uma vez que o interesse pela emancipação ultrapassa as fronteiras de Minas. Não pela emancipação do Triângulo em si, mas pela divisão de Minas e, logo, pelo seu enfraquecimento político.
Raciocinemos: mesmo que forças paulistas não estejam botando lenha na fogueira emancipacionista (e eu não estou afirmando isto), é evidente que São Paulo é o Estado que tem mais a lucrar com o enfraquecimento de Minas, já que ficaria em melhores condições de comandar o processo sucessório do País, e, por extensão, de dirigir a vida política brasileira.
Levando-se em conta o importante papel político que Minas sempre jogou no País, onde também sempre se constituiu em fator de equilíbrio dentro as Federação, creio que seu enfraquecimento não atenderia aos interesses do País.
Reconheço, entretanto, que Estados menores são, em princípio, mais fáceis de governar, por supor uma melhor assistência e até mesmo uma mais efetiva presença física do governo – embora jamais tenha ouvido referência a Sergipe e Alagoas como modelos administrativos. Na verdade, os tristemente célebres “marajás” de Alagoas sugerem uma idéia bem diversa.
Mas se comprovada, após os competentes estudos, a necessidade de uma redivisão territorial, que se a promova, simultaneamente, em todo o País. Agora, retalhar Minas enquanto São Paulo permanece intacto parece-me uma má idéia, já que isto pode desequilibrar, perigosamente, a correlação de forças políticas do País, onde Minas sempre constituiu um fator de equilíbrio. Afinal, a queda de sua influência, em proveito de uma maior influência de São Paulo, poderia agravar o sentimento anti paulista reinante nas regiões mais pobres, como o Nordeste que, de alguma forma, lembra o próprio sentimento do Brasil em relação aos Estados Unidos.
No mais, gostaria de expressar meu desconforto ante o risco de ter de trocar minha sólida alcunha de mineiro, que sempre carreguei com discreto orgulho pela vida e pelo País afora, por uma equivoca condição geométrica. Não, definitivamente, não quero ser triangulino, mas continuar mineiro como Tiradentes, Aleijadinho, Juscelino, Guimarães Rosa, Drummond, Pelé e tanta gente ilustre.
* 1: Leia “Estado do Triângulo”.
* Fonte: Texto publicado com o subtítulo “A inclusão de Patos de Minas, bem como de outras cidades, na lista de candidatas a capital é uma estratégia para conquistar adesões à causa emancipacionista” na edição n.º 167 de 31 de julho de 1987 da revista A Debulha, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH)A do Unipam.
* Foto: Tocadocalango.blogspot.com.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.