Década de 1950 no povoado de Capelinha do Chumbo (hoje Distrito de Major Porto). Num começo de noite de céu encoberto, trovões e coriscos relampejantes cortavam o céu anunciando chuva forte após o mormaço sufocante da tarde. O vento açoitava os pastos, assustava o gado sendo reunido e fazia a cachorrada latir para as estrelas escondidas por detrás dos celestes chumaços negros de algodão. À beira do Rio Areado, Dona Maria apressava em terminar a lavação de roupas fechando os olhos e trincando os dentes após cada clarão nos ares.
Nas ruas, a correria do povo para suas casas, enquanto o comércio fechava as portas apressadamente frente à iminência do temporal. Apenas os botecos seguravam seus clientes entre brindes de preocupações e balançar de ombros. De repente, cessaram os trovões, cessaram os relâmpagos e o vento forte se transfigurou numa brisa suave, aconchegante e refrescante. No céu, as nuvens negras foram se espaçando, desaparecendo, até que se formou nas alturas uma tela de lindos brilhantes emoldurada pela Lua cheia. A calmaria reinou por poucos minutos. Depois de subir as barrancas do Rio Areado, Dona Maria adentrou à rua principal do povoado aos berros alucinantes. Em correria agoniada gritava para avisar o povo:
– A Virgem, a Virgem, a Virgem…
Depois de adequadamente acalmada, Dona Maria fez-se entender que acabara de avistar a imagem de Nossa Senhora, a Virgem Maria, do outro lado do rio bem em frente onde ela lavava roupas. Foi um verdadeiro pandemônio, pois Dona Maria era devota extrema e muito respeitada. Naquela noite e madrugada adentro, Capelinha do Chumbo não adormeceu. Na beira do rio, uma multidão de pessoas encarava o local apontado pela beata. Muitos explodiam na emoção dizendo:
– Estou vendo a Santa, estou vendo a Santa.
Outros falavam:
– Ela está com o Menino Jesus, estou vendo, milagre, milagre.
A partir daquela noite a pequena Capelinha do Chumbo se transformou. O povo da zona rural desceu em peso; gente de várias localidades, outros distritos e até da Sede foram para lá na esperança de ver a Virgem, se arrepender de seus pecados e viver em paz. Uns a enxergavam e outros não. Cochos, cegos, gagos, estéreis, pobres desejosos de ganhar dinheiro, formavam uma multidão de peregrinos à espera da salvação eterna. Notícias de milagres fantásticos começaram a se espalhar por todos os lados e a chegar a locais distantes. Diziam também que a vinda da Santa havia estancado o temporal que arrasaria o povoado naquela noite em que Dona Maria a viu.
Uma semana depois, a Igreja resolveu agir. Sigilosamente, enviou um missionário para averiguar e voltar com um relatório. E os religiosos não gostaram do que leu e principalmente de algumas fotos. Chegaram à conclusão que a Capelinha do Chumbo brevemente se transformaria num local de peregrinação, e a Igreja absolutamente não concordava com aquilo. Era preciso acabar com aquela mistificação.
Padre Tomaz Atílio Olivieri foi o encarregado para a empreitada. Em lá chegando não perdeu um segundo sequer para começar a dispersar a massa de sedentos por milagres, principalmente quando vislumbrou a pequena gruta que o povo havia moldado à beira do rio.
Durante dois dias e duas noites sem dormir, Padre Tomaz trabalhou duro na tentativa de convencer a todos de que foi inicialmente uma alucinação de Dona Maria que viu, após um forte clarão de um relâmpago, algo parecido com a imagem da Virgem formada por ramos vegetais à beira do rio. Daí pra frente, a fé trabalhou ao contrário e muitos imaginaram ver a Santa. Foi difícil, mas o Padre Tomaz conseguiu dispersar a multidão e, o mais importante, conseguiu a promessa de Dona Maria não comentar mais a respeito e dizer que foi mesmo uma alucinação.
Antes de retornar com o dever cumprido, Padre Tomaz, por segurança, solicitou a uma pessoa importante da comunidade que controlasse o povo e o impedisse de fazer ajuntamentos à beira do rio com a finalidade de rezar. O cidadão conseguiu evitar que se fizessem os tais ajuntamentos à beira do rio, mas jamais impediu que, à noite, algumas pessoas, de vela, lamparina ou lanterna à mão, fossem até lá na esperança de avistar a Virgem Maria. E durante muitos anos, várias pessoas afirmaram terem visto a Mãe de Jesus e que muitos milagres acontecerem por aquelas bandas. Os mais antigos confirmam com veemência. A verdade é que, por pouco, a hoje Major Porto não se transformou num local de peregrinação santa nos saudosos idos de 1950. “Graças” ao Padre Tomaz Atílio Olivieri.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fontes: Fernando Kitzinger Dannemann, Alda de Oliveira Teixeira Dannemann e povo do distrito de Major Porto.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto de rfitaperuna.com.br.