IDOSA SEM PAPAS NA LÍNGUA

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Numa sessão ocorrida no antigo Fórum Olympio Borges, lá pelos idos de 1980, esteve presente como testemunha de acusação a Dona Joaquina com seus 85 anos de idade, mas mais lúcida do que muitos jovens daquela época. Apresentou-se primeiro o advogado do acusado, que falou à idosa:

– Dona Joaquina, a senhora é muito respeitada aqui em Patos de Minas e conhece praticamente todo mundo, além de ser considerada a melhor quitandeira da Cidade. Obviamente a senhora deve me conhecer.

Dona Joaquina mandou ver:

– Ora se te conheço, Carlos Alberto, filho da minha grande amiga Maricotinha, que, viúva ainda jovem, criou você e te formou advogado fazendo faxinas e lavando roupas pra fora. Depois de formado, você foi uma grande desilusão para a Maricotinha, que chorou nos meus ombros inúmeras vezes por causa das suas mentirosas viagens a Belo Horizonte a negócio quando, na verdade, estava com a amante em Patrocínio que é esposa de um certo juiz aqui do Fórum – nessa a idosa deu uma encarada no juiz presente – e sua esposa pensando que você é o melhor marido do mundo. Aliás, mentir é seu esporte favorito. Ora se te conheço, senhor Dr. Carlos Alberto.

Silêncio sepulcral na sala. O Dr. Carlos Alberto simplesmente paralisado. O juiz, Dr. Irineu, interveio:

– Dona Joaquina, não é sua função aqui qualificar as condições morais do Dr. Carlos Alberto.

Aproveitando a oportunidade, Dr. João, advogado de acusação, perguntou à Dona Joaquina se ela, além de presenciar o fato, conhecia o acusado. Dona Joaquina mandou ver:

– Se eu conheço o Pedro Malaquias, mais conhecido por Zé Lesma? Filho de outra amiga minha, foi problemático desde criança e depois de adulto se tornou um grande preguiçoso, detestando trabalho, bebendo cachoeiras de cachaça e fumando uns pito fedorento pra caramba. Coitada da Isaura e do Juvenal, criaram esse aí com zelo e carinho e hoje é esse estrupício aí que tanto desgosto causa aos pais.

Silêncio duas vezes sepulcral na sala. O Dr. Carlos Alberto continuava paralisado, Dr. João com um sorrisinho maroto e o Dr. Irineu demonstrando uma preocupação danada, sabe-se lá por qual motivo, principalmente depois daquela encarada que recebeu da Dona Joaquina. Depois de uns dois minutos, ele, o Juiz, se manifestou:

– Dona Joaquina, sem mais nenhuma palavra a respeito de qualquer pessoa aqui presente.  As condições morais do advogado de defesa e do acusado não estão em discussão aqui. Portanto, limite-se a comentar como testemunha unicamente sofre o fato ocorrido.

– Mas Seu Juiz, logo agora que eu ia falar do senhor, começando por…

Imediatamente o Juiz encerrou a sessão por falta de decoro da testemunha. Quando foi a outra sessão, se foram as mesmas testemunhas, se foi o mesmo juiz, se foram os mesmos advogados e o que aconteceu, não fiquei sabendo.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 01/02/2013 com o título “Casa do Hugo – 1”.

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