Do tempo em que praticamente não havia especialidades na Medicina, pois os médicos atendiam o que lhes apareciam pela frente, e que ainda os recursos tecnológicos os obrigavam a acertar um diagnóstico baseado praticamente só nos sintomas aparentes e aqueles descritos pelos pacientes, e muito do provavelmente por causa disso, Seu Carlos, com o andar da carruagem dos anos, foi tomando birra por médico especialista nisto, especialista naquilo, e por aí vai.
Desde criança apaixonado por pescaria, certo dia, já nos seus 75 anos de vida, estava com o filho num pesque e pague pertinho da Cidade, localizado na rodovia que vai para Presidente Olegário, quando começou a sentir uma dorzinha no peito. Preocupado, o filho imediatamente o levou até o pronto atendimento de um hospital. Depois de vários exames, mesmo não sendo constatada maior gravidade, apenas uma disritmia cardíaca, foi-lhe recomendada uma visita a um Urologista, o que deixou o idoso irritado, pois, como o dito, esse negócio de especialidade lhe chateava e era nesses momentos que ele tinha saudades dos bons médicos de antigamente.
Com o passar dos anos, fator inexorável, mais e mais o corpo do Seu Carlos foi sentindo a necessidade de muitos especialistas. E cada vez que ele era obrigado a procurar o serviço de um deles, mais o Seu Carlos se aborrecia, pois pela sua mente antiquada, o médico tinha que entender de tudo, e assim, jamais aceitava o fato de que a especialização é uma modernidade benéfica para a Medicina.
Já com 82 anos, pisou em falso e torceu o pé esquerdo. No outro dia, Seu Carlos começou a reclamar do incômodo. Como não era urgente, o filho marcou uma consulta com um Ortopedista, dois dias adiante, e fez questão de tranquilizar o pai:
– Dessa vez o senhor pode ficar tranquilo, porque esse médico entende tudo de pé e não vai recomendar um especialista, pois ele já é um especialista.
Lá foram os dois ao consultório, localizado num edifício da Rua Major Gote, e o Seu Carlos muito tranquilo porque dessa vez ia ser só um médico. Quando saiam do elevador, o celular do filho tocou. Vendo que era uma ligação esperada, disse ao pai:
– Vou atender aqui no corredor essa chamada e o senhor espera lá na sala, é aquela lá − apontou o filho.
Lá foi o Seu Carlos, e entrou na sala de um Advogado. A atendente, com muita atenção, foi logo inquirindo:
– Bom dia, meu senhor, sobre o que veio tratar com o doutor Menezes?
– Meu filho marcou uma consulta aqui porque eu torci o pé esquerdo e…
A atendente nem deixou o idoso terminar para responder:
– O senhor se enganou de sala, aqui a gente só trata de Direito.
Pra quê! Imediatamente o Seu Carlos girou nos calcanhares, com dor e tudo, puxou o filho pelo braço, resmungando:
– Você, heim, disse que não ia ter outro médico, esse aí só cuida de pé direito.
Depois, tudo se ajeitou e a consulta foi efetuada. Sobre o Seu Carlos? Ultimamente não tenho notícias dele!
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.