CEGUEIRA DO TIÃO, A

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Nos áureos tempos do Campo Soçaite Manezinho Mendonça, lá em cima na Rua Major Gote, depois do Parque de Exposições, o Tião teimava em participar das disputadíssimas peladas que aconteciam nas noites de segunda e quinta. Teimava porque ele era um autêntico perna-de-pau. Mas, sendo um sujeito muito agradável, bom papo, ótimo contador de causos, a turma era praticamente obrigada a aceitá-lo nos rachas. Felizmente, a teima do Tião durou pouco mais de seis meses. O que aconteceu? Numa das partidas, ele, cara a cara com o goleiro, quando foi desferir o chute e correr para o abraço, simplesmente pisou na bola e saiu catando cavaco até se chocar com uma trave, resultando-lhe a fratura da tíbia esquerda. Fim de carreira do craque ao contrário. Depois de devidamente recuperado do acidente, continuou a frequentar o local apenas como expectador, saboreando umas cervejinhas estupidamente geladas em altos papos com outros que também não jogavam.

Há algum tempo, o Tião vinha percebendo que sua visão estava ficando embaçada. Quem sabe foi por isso que ele pisou na bola naquele dia em que fraturou a tíbia. Incentivado pela esposa, procurou um oftalmologista, que lhe indicou os exames necessários. E o resultado não foi muito agradável: ainda novo, com 50 anos, estava com glaucoma, mas ainda no início e, de acordo com as palavras da doutora, poderia ser muito bem controlado com um colírio próprio para o caso. Mesmo assim, o Tião não parava de pensar que poderia ficar cego.

Certa noite tremendamente calorenta, com a esposa no apartamento vizinho de um casal de amigos, o Tião resolveu tomar um banho gelado para refrescar o corpo. Antes, deu uma bela talagada numa pinguinha de alambique fabricada por um primo lá na comunidade dos Vieiras, despiu-se, sentou no trono para uma caprichada descarregada. Aliviado, ensaboou os cabelos e não demorou muito seus olhos começaram a arder com a espuma do sabonete.

De repente, tudo ficou escuro. Mesmo tirando toda a espuma dos olhos, Tião não enxergava nada. Começou a entrar em desespero, pois esse era o seu maior temor: ficar cego. Apalpando aqui e ali, desligou a água, com muito cuidado enrolou-se numa toalha, foi tropicando nos móveis até conseguir chegar à porta da sala. Abriu e, desesperadamente, começou a gritar pela esposa. Quase que imediatamente, vieram a esposa e o casal de amigos, deparando-se com o Tião na porta gritando desesperadamente:

– Estou cego, estou cego, estou cego…

Balançado pela esposa, num instante, como que por um milagre, ele voltou a enxergar e avistou com clareza as três pessoas, sendo uma delas com uma lanterna acesa na mão. Houve uma interrupção de energia elétrica de poucos minutos e naquele momento, a luz tinha voltado.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.

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