LACUNAS COMMERCIAES

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TEXTO: JORNAL CIDADE DE PATOS (1916)

Nesta epocha em que tudo marcha, caminha e vôa, nesta epocha em que os habitantes de Patos estão affectados da loucura do progresso, nesta epocha em que o delirio das grandesas empolga todos os cerebros, mudando este povo em um povo de megalomanos, uma cousa parece ter ficado no statu quo; esta cousa é o commercio de fasendas.

Não se encontram nas casas commerciaes de Patos, força é confessal-o, artigos, não digo de luxo, mas simplesmente de conforto, consoantes ao progresso da cidade; assim é que não se encontra um manteaux, um vestido de casimira, uma par de luvas de pellica, uma sombrinha, etc. Não mencionamos sêdas nem artigos de moda, e muito menos artigos de ourivesaria, que não passam das classicas cabacinhas, das figas e das contas-missangas. Em uma cidade como Patos, existem apenas meia dusia de negocios de fasendas. Casas de modas é coisa que por aqui não ha; os negociantes se limitam a pedir os generos mais essenciaes á vida, o algodão trançado, o morim e a sargelina. Quem quer se vestir melhor, vai ou manda comprar directamente no Rio de Janeiro, as fasendas ou vestidos feitos, de modo que fica bem mais caro para quem mora nestes confins.

Está discutido que no commercio, o mostruario é tudo, melhor venderá o negociante que tiver mais mostruario, justificando desta sorte o adagio que diz: “o que os olhos não veem o coração não deseja”.

As cidades visinhas contam vinte a trinta negocios de fasendas, e no entanto nós só temos seis; o povo de Patos parece que tem horror ao commercio, e destas poucas casas nenhuma satisfaz as exigencias de uma casa commercial bem montada, assim é que actualmente não se acha no commercio um cravo de ferrar animaes, e estamos recorrendo ás casas commerciaes dos districtos.

Ha uma certa retracção, um certo medo no emprego do capital, os stocks são muito limitados; nos outros lugares os melhores fregueses são os que têm nas casas commerciaes maiores contas. Aqui dá-se exatamente o contrario, ha a desconfiança, o povo parece que ainda está na infancia das primeiras sociedades. O individuo julga-se feliz quando não deve nada a alguem; o povo de Patos ainda não sabe que a vida e o commercio consistem exactamente no deve e no haver, que não se pode dizer ao capital que pare, porque foi feito para a circulação.

Nas grandes praças, o individuo que não deve é porque não tem credito para cousa alguma, elle está bem quando o seu haver é duas ou trez veses maior do que o seu debito; do equilíbrio do deve e do haver é que nascem as finanças. Aqui pensa-se de modo differente: é olhado como quebrado um individuo que devendo dez ou doze contos, tenha 50 ou 100 em haver quando devia ser considerado em optimas condicções, mas deixemos estas considerações que nos não queremos insurgir contra os usos e costumes de um lugar, sobretudo quando elles são philantropicos.

Outra lacuna commercial.

O povo no commercio não tem a noção exacta do que seja termo de contracto. Exemplifico: um individuo toma emprestado de outrem uma certa quantia por um certo e determinado lapso de tempo, este individuo julga que estando a pagar juros daquella quantia, não tem obrigação de faser o pagamento n’aquella data. De uma cobrança resulta uma inimisade, e de uma citação uma morte. Os advogados não podem exercer a sua profissão com desassombro, e ser official de justiça é estar com o pé na sepultura. Tudo isto por falta da noção de termo de contracto.

Outra lacuna do commercio, são as marcas algebricas: veem-se commumente nos objectos as seguintes marca: Chtt oice occe; si o commercio é livre, se o negociante tem incontestavel direito a um certo e determinado lucro, qual a rasão desta mystificação? A rasão é a seguinte: estabelece-se uma lucta entre o comerciante e o freguez no acto da entrega, este quer pagar o menos que pode, e aquelle quer vender pelo maior preço possível, e desde que o freguez tenho como base uma formula algebrica, só poderá cahir na solução negativa dos problemas algebricos. O commerciante que proceder do modo que indicamos, isto é, ás claras, com porcentagem certa, obviaria dous inconvenientes: primeiro economisava o tempo, segundo o freguez negociaria com muito mais confiança.

Apontando estas lacunas. Só temos em mira o engrandecimento de nosso commercio. O commercio é a base solida sobre que repousa uma sociedade, é exactamente no commercio que estão as cellulas embryogenicas da civilisação moderna; nós hoje temos necessidade de diser estas cousas, porque depois que se desfaz o nevoeiro é que se distingue as formas até então indecisas dos objectos. Começamos a viver ás claras, e precisamos de melhorar o nosso commercio, banindo umas tantas coisas que jé devem figurar no archivo carcomido do passado.

É preciso que o commercio tome sobre os seus hombros certos encargos; as festas de semana santa, que em toda parte são feitas pelo commercio, em Patos não o são, e assim por diante. É preciso que no seio do commercio de Patos, se levante um homem d’alma, que congregando em roda de si todos os seus companheiros de classe, abra nesta selva escura, uma clareira luminosa, alegre e consoladora.

* Fonte: Texto publicado da edição de 12 de março de 1916 do jornal Cidade de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Vivendonabalea.blogspot.com.

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