BESTEIRAS DE UM DIA QUALQUER

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O dia amanheceu convidativo a uma caminhada. Animado, o aposentado Gilmar Mota resolveu zanzar pelo Centro no intuito de topar com alguns amigos. Morador na Rua 24 de Maio, pertinho da Praça Vovó Nenen, quando passava por ela reparou que haviam afixado em letras garrafais o nome do novo edifício do logradouro: Atlanta Business Center. Eita, Brasil, pensou o Gilmar.

Subindo pela Praça Dom Eduardo, entrou à esquerda na Rua General Osório e depois à direita na sua colega Major Gote. Logo após a Olegário Maciel, numa loja de calçados, reparou um grande cartaz com os dizeres: SALE − 30% OFF. Eita, Brasil, murmurou novamente o Gilmar. Continuando as passadas, se assustou com uma imensa carreta de sabe-se lá quantas toneladas e o Gilmar não perdeu tempo em confabular com ele mesmo: − Cumequipode uma tranqueira dessas transitando pelo Centro arrebentando o piso da via e complicando mais ainda o já caótico trânsito se existe a Rodovia do Contorno. Tem dó, Deiró!

Seguindo, entrou à direita na José de Santana, saboreou um delicioso pastel na lanchonete do Onesilton José Machado, o simpático Nazareno, e rumou para a banca de revistas em frente ao antigo Fórum. Lá papeou uma hora com quatro velhos amigos, quando comentaram tristemente sobre a morte das duas árvores¹ e os lotes não murados que são verdadeiros criatórios do mosquito da dengue². O relógio marcava dez e quarenta da manhã quando ele resolveu retornar ao lar. Antes, comprou as edições do dia dos jornais Estado de Minas e Folha Patense.

Com a chave na fechadura do portão de casa, o som de motos com urros e tiros estrondosos, vindos da Avenida Paracatu, o irritou. Gilmar não perdeu tempo em também urrar: − Vai tomar… Mais calmo e sentado no sofá, com uma cerveja gelada ao lado, pronto para folhear os jornais, ouviu um carro com som tão alto que tremeu as janelas. Gilmar não perdeu tempo e berrou: Vi sua mãe na zona, filho do belzebu!

Voltando à calma, leu em voz alta a manchete do Estado de Minas: − Boeing 787 lotado cai no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Já foram resgatados quatro mil corpos. Tem dó, Deiró, exclamou o Gilmar. Pegando a Folha Patense, leu a manchete também em voz alta: − Morador do Bairro Caiçaras suicida-se com seis tiros na cabeça. Tem dó, Deiró, exclamou novamente o Gilmar.

Foi o suficiente para a esposa chegar e questionar: − Marido, que nervosia é essa, cê tá delirando, tem nada a ver o que você está dizendo sobre as manchetes desses jornais. Ele respondeu: − Pô, mulher… Não completou a frase, pois outra daquelas motos com escapamento adulterado o irritou mais ainda. E não deu nem dois minutos, veio outra e logo após mais um carro com som que dava para ser ouvido em Presidente Olegário. Raios, mil vezes raios, quanto tempo vamos ter que suportar isso, clamou o Gilmar.

Almoçado, lá foi o Gilmar se aconchegar na cama para uma pestana. Foram só trinta minutos de sossego e a zoeira vinda da Avenida Paracatu o irritou novamente. E quando a esposa lhe disse que o poder público resolveu tirar a COPASA do Município, o Gilmar perdeu as estribeiras: − Quando assumiu, sabia de tudo, e não fez nada. Três anos no poder, sabendo de tudo, e só agora, ano de eleições, ele vem com essa? Tem dó, Deiró!

Foi só um dia de besteiras na vida do Gilmar Mota, como na vida de qualquer cidadão patense. Triste é que todo dia tem, num moto-contínuo!

* 1: Leia “Assassinadas Duas Veteranas Árvores”, “Éramos Três, Agora, só Eu”.

* 2: Leia “Dengue, Chikungunya e Zica: O Outro Lado da Moeda”.

* Texto e foto: Eitel Teixeira Dannemann.

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