POTRO DISPUTADO

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Caboclo sistemático é o Tonhão. Mas não aquele sistemático chato que se aborrece com o semelhante por qualquer coisinha de nada. Nada disso, pois é um sujeito bom na lida com qualquer um, sempre sorridente e prestativo. O sistemático só se encaixa quando o assunto é sua fazendinha lá na região da comunidade dos Vieiras. Aí, bota sistemático nisso. Recentemente ele investiu uma graninha razoável na recuperação das cercas dos piquetes rotacionados de capim elefante. Com arame liso, diga-se de passagem, porque suas vaquinhas de leite da raça Jersey são tão delicadas e mansas que comem ração na mão dele. Até o pequeno reservado com capim tifton onde ele resguarda sua égua Mangalarga de estimação é cercado com arame liso.

Certo dia, ela, a égua, entrou no cio. Lá foi o Tonhão até a Cidade buscar o Médico Veterinário para fazer a inseminação artificial. É, o Tonhão não aceita qualquer pangaré cruzar com sua égua, só usa sêmen de primeira qualidade. Chegando com o doutor, deparou-se com a cena horrorosa: um pangaré de carroça havia arrebentado o arame e estava cruzando com sua égua. Imediatamente ele, o Tonhão, entrou no seu modo sistemático e foi tomar satisfações com o dono do estuprador equino, vizinho de cerca. Este pediu mil desculpas, prometeu pagar os estragos e qualquer custo veterinário que surgisse. Tudo parecia, então, resolvido.

Parecia! Onze meses depois da tragédia, nasceu um lindo e parrudo potro com a ótima genética da mãe, que o filho do Tonhão de apenas seis anos apelidou de Mangaré, cruza de Mangalarga com pangaré. No outro dia, o dono do pangaré, presenciando aquele lindo e parrudo potro, passou a exigir do Tonhão o animal, alegando que a cria pertencia a ele. Imediatamente, o Tonhão rebatia. A coisa foi esquentando, ficando perigosa, até que amigos de ambas as partes convenceram os dois de que o Juizado Especial Cível decidiria sobre o real proprietário do potro.

No depoimento do dono do pangaré, após afirmar que havia pago todos os estragos, ele alegou que a culpa é do Tonhão e da égua, pois o dono não protegeu adequadamente a fêmea e esta seduziu o seu cavalo, por isso o potro lhe pertencia. Chegando a vez do Tonhão, ele fez algo inusitado: pulou a cerquinha que separa o Juiz dos presentes envolvidos. Imediatamente, veio a bronca:

– Isso é um desrespeito, vou mandar prendê-lo e o senhor vai perder a causa.

O Tonhão não perdeu tempo em responder:

– Exmo. Dr. Juiz, o pangaré do meu vizinho arrombou a cerca sem a minha autorização, cruzou com a minha égua sem a minha autorização e mesmo assim o senhor quer lhe entregar o potro, enquanto eu pulo essa cerquinha sem a sua autorização para ouvir do senhor que vou ser preso e o potro vai ser do meu vizinho. Onde está a Justiça?

O Tonhão ficou com o potro em decisão sem recurso.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.

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