Terminando a 27 de Janeiro do corrente anno, o meu quatrienio de Juiz Municipal do Termo de Patos, fui a Bello Horizonte e pedi ao Governo a minha reconducção no cargo atè que se vagasse outro Termo onde menos espinhosa pudesse ser a missão de Juiz e me conviesse. Fui logo informado de que não convinha ser eu reconduzido porque o Dr. Marcolino de Barros, advogado e presidente da Camara Municipal de Patos a isso se oppunha, falando em nome dos companheiros politicos d’aqui. Fazendo violencia ao meu temperamento, sou forçado a analysar o motivo desse pedido que de certo modo parece traduzir o não cumprimento de deveres por parte do Juiz, quando regra […] vemos todos os collegas reconduzidos em seus logares. Mantendo sempre a norma por mim adoptada de deffender-me sem offender, falarei pella voz da verdade dos factos sem intuito de magoar o autor principal do pedido.
Mais magoado que eu, S.S. não deverá ficar, pois fui victima duas vezes, como se verá.
Discutirei o motivo que determinou o pedido “Solemne” da minha não reconducção. Antes de tudo, peço aos meus collegas e leitores terem em vista o seguinte facto, de capital importancia, que torna para mim, honrosa a não reconducção para o Termo de Patos e que á consciencia do Dr. Marcolino Barros, cultor do Direito (s.s. veio da Bahia para aqui como Juiz Substituto e tem sido advogado) deverá produzir um certo máo estar: o pedido de minha não reconducção não foi imposto pelo Direito nem pela Justiça, sob a apreciação de actos meus como Juiz e como cidadão, e sim, pela circunstancia accidental de ser o Dr. Marcolino de Barros, presidente da Camara Municipal de Patos, servindo-se da politica, agindo com a politica e em nome da politica local, em cujo seio não contei jamais (excepção do advogado Dr. Marcolino Barros) com a mais leve prevenção contra mim. Serviu a politica local para a satisfação de um interesse todo pessoal.
Nas vésperas do dia em que terminava o meu quatriênio, recebia de dois dos mais influentes chefes politicos do municipio de Patos, gentis cartões de bôas festas, em cuja sinceridade acreditei e tinha todo o direito de acreditar.
Emquanto recebia eu, desses cavalheiros, essa demonstração de estima, o chefe da politica municipal, Cel. Farnese Dias Maciel chamava á sua Fazenda, o meu sogro, Cel. Hermogenes Gonçalves da Silveira, e em longa conferencia, perguntava-lhe si elle, Cel. Hermogenes desejava alguma cousa para Bello Horizonte, pois elle Cel. Farnese para là seguia viagem por aquelles dias. Nessa pergunta insistia o Cel. Farnese, segundo a sua propria confissão posterior, elle, Cel., queria muito que meu sogro e seu amigo lhe pedisse a minha reconducção. Pedida que fosse, seria retirado o pedido “Solemne” que estava em mãos do Governo, em Bello Horizonte! Por mais que o bondoso Cel. insistisse, o meu sogro não se lembrou de pedir ou não quiz pedir, mesmo porque ignorava elle a existencia de pedido em contrario feito ao governo. E’ fatal diz a logica: ou eu não cumpri com os meus deveres, sendo mào Juiz ou mào cidadão, devendo neste caso, o pedido “Solemne” prevalecer, ou o pedido era injusto, pois que se procuravam meios da fazer com que elle fôsse retirado. Alem disso, ninguem sabia de maneira positiva se havia ou não pedido de não reconducção, a não serem pessôas a quem tivesse confiado com reservas. Nas vésperas de findar o meu quatrienio, o Dr. Marcolino Barros cumprimentava-me sorridente e prazenteiro, o Cel. Farnese esteve em minha residencia cerca de duas horas, os distinctos chefes districtaes desejavam-me felicidades em gentis cartões de bôas festas. Francamente, eu duvidava de qualquer pedido contra mim, porque a minha consciencia e os meus jurisdicionados diziam-me sempre que eu tinha cumprido com deveres de Juiz e de cidadão. Em todo caso, chegavam-me constantes avisos em forma de boatos, de que em Bello Horizonte se tratava contra mim. Procurei sondar o espirito de pessôas parentes e amigas do Cel. Farnese Dias Maciel e delas ouvi sempre, que não acreditavam nisso, que não haviam razões, etc.
Indo a Bello Horizonte, ouvi do Presidente do Estado, que o Dr. Marcolino Barros e outros pediam a minha não reconducção, sabedor da minha acção como Juiz e cidadão, o Governo que deseja a harmonia nos municipios e o prestigio da magistratura honrada, manifestou bôa vontade para commigo, sendo-me feitas offertas de outros Termos vagos, no Estado, a escolha, ficando eu bem certo de que aos olhos da Administração Estadoal e de meus amigos, o pedido inspirado pelo Dr. Marcolino de Barros e feito em nome de seus companheiros da politica local, não conseguio desprestigiar quem sempre se esforçou no cumprimento de seus deveres.
(Continúa).
* Fonte: Texto de João da Costa Rios publicado com o título “Termo de Patos − Explicação Necessaria” na edição de 22 de março de 1914 do jornal O Commercio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.
* Foto: Início do primeiro parágrafo do texto original.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.