NATUREZA NO ANTIGO SERTÃO, A

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TEXTO: JORNAL FOLHA DE PATOS (1944)

Quem singra os mares pardos e empoeirados desse sertão esbatido em planisferio, que se estende imenso e infinito aos olhos do viajante, sente uma penetração dolorosa de angustia vendo a natureza morta no seu reino vegetal.

As ervas ressequidas pela teimosia causticante do sol, as arvores desnudas e emurchecidas pela falta absoluta da seiva circulante nos seus vasos lenhosos e as gramineas incapacitadas de fornecer alimento ao rebanho bovino de alto preço, que representa a esperança de lucros dos nossos estancieiros, produzem, aliadas á poeira enervante, essa tristeza dorida que transparece na fisionomia dos viajantes que apeiam das jardineiras ali na porta do Tupan¹.

E’ tão aborrecida a viagem, nesses tempos de seca, por estas planicies monotonas que, muitos cidadãos de outras zonas, aqui trazidos por algum interesse ocasional, juram nunca mais voltar, para não sofrerem novamente esse suplicio angustiante, lamentando em suas palestras que o português colonizador e o bandeirante audacioso tenham deixado o arraigado habito das queimas criminosas, com a desculpa de limpar os pastos das ervas daninhas, desundando a terra, expondo-a às inclemências do sol abrasador, que a tornam, cada vez mais impermeavel e árida.

Além disso, a devastação sistemática dos cerrados e capoeiras, acarreta a diminuição da porosidade do solo e consequentemente a extinção das fontes, elemento essencial para a vida vegetal ou animal. E é por esta razão que o homem na sua eterna ansia em busca da felicidade, o principal caracteristico da sua peregrinação pela superficie da vida, localiza-se nessas paragens de raro em raro, separados os pontos de pouso por enormes distancias desertas, em prejuizo do seu espirito gregário ou então abandona o campo e enche as ruas das cidades, onde a comunidade num esforço secular e herculeo conseguiu um conforto relativo e ai procura um meio de se adaptar e de viver.

Pois, onde quer que esteja o homem, ai está sua companheira inseparável a vontade de ser feliz, e a inteligencia a serviço desse ideal o impulsiona e excita na pratica de todos os meios para consegui-lo.

Mas… a natureza notoriamente carinhosa se manifesta boa para o único ser inteligente da creação, que é o homem, um nada em relação a Deus e um tudo em relação a vida, e do funereo sono de três meses começam a despertar as mais belas manifestações de vida, fazendo brotar as arvores, desabrochando as flores, reverdecendo os campos e impregnando de vida e esperança a imensidão dos campos, os taboleiros e chapadões e fazendo chorar as grotas pequeninas nos olhos das nascentes.

Continua a natureza o seu eterno ciclo obedecendo a marcha da Terra pelo universo e influenciada pelo Sol a nos presentear agora com a Primavera.

Bendita Primavera que nos faz reerguer cheios de esperanças e animados a prosseguir na luta em busca do nosso ideal.

Daqui a um mês surgirão os milharais e reverdecidos os capinzais ao viajor que empreender a travessia em vez da angustia dolorosa dagora ferirá profunda e docemente uma alegria contagiante à vista do imenso mar verde de esperança das infinitas campinas do sertão.

Quando a natureza parece morta como agora é que está operando em reconditos misteriosos para ressucitar pujante nas mais belas manifestações de vida e alegria, porque a vida continua e continuará sempre.

SLOW

* 1: Leia “Cine Tupã”.

* Fonte: Texto publicado com o título “A vida continua” na edição de 24 de setembro de 1944 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.

* Foto: Segundo parágrafo do texto original.

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