TEXTO: JORNAL FOLHA DE PATOS (1944)
Jamais se tecerão bastantes loas às qualidades obscuras e nobres que sobresaem no tipo heroico do nosso caboclo do sertão.
Ele é bem merecedor do estro poetico realista e bem feito que realça e inspira uma poesia publicada nesta folha no seu ultimo numero.
Infelizmente, em certa doentia sociedade só conquista relevo o que atrae a atenção do publico, que se engalana em cores e tons falazes e se empresta uma sensação passageira. Vivemos o reinado da futilidade.
Mas os valores obscuros, estes que florescem à sombra da humildade, do descredito social, que vicejam ao calor da sinfonia do trabalho quotidiano, que se emoldura pela pratica de ações dignas, estes, poucas vezes, receberam a consagração a que fazem jús pela grandeza intrínseca.
Hajam vista, os encomiasticos aplausos tão da moda feitos à malandragem, à jogatina infrene, ao vicio multiforme das ruas… Cantam-se os mesmos até em publico, nos acelerados e barbaros ritmos carnavalescos, delicia anual de muita gente nossa.
Bem justa, pois, se nos afigura essa revolta contra a pessima propaganda que se faz do mal, contra o qual não ha barreiras bastantes, nem exagerada transigencia, pois devia ser feita em todo tempo e sem trégua.
O nosso homem laborioso do sertão, o pai de familia honesto, sempre moderado e bom, o chefe de numerosa prole, quantas vezes não se vê por ai afora amesquinhado, metido a ridiculo, e considerado como relíquia exotica de priscas eras, portador de costumes antiquados já em desuso. Isso, sim, é que merece toda repulsa. Tal concepção a respeito do nosso caboclo é até criminosa. E’ uma das modalidades dum paganismo avassalador e intoxicante.
Causa mesmo satisfação ver o poeta cantar o valor do sertanejo que no dizer de Euclides da Cunha é “antes de tudo um forte”. Não deixemos nós os bem intencionados de pugnar sempre com denodo contra esta mentalidade acomodaticia, rotineira, que menospreza o trabalho, põe em segunda plana o constante e às vezes custoso cumprimento dos deveres, e sacrifica os postulados cristãos às mesquinharias do prazer e faceis comodidades sociais em voga.
Sim, empenhemo-nos nesta luta em prol do reconhecimento do nosso caboclo. E’ o tipo simples do homem que moureja incognito, é o tronco pujante de tradição respeitada, que nos traz à memória as verdadeiras gradezas¹ pratrias², patrimonio da nacionalidade.
Este caboclo, repetimo-lo ufanos, é motivo de orgulho para nós. Cánte-o poeta. Que nós o cantaremos com ele.
JÓ.
* 1: Grandezas?
* 2: Pátrias?
* Fonte: Texto publicado com o título “O elogio do caboclo” na edição de 07 de maio de 1944 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.
* Foto: Três parágrafos iniciais do texto original.