DESAFIO DO ZÉ MORRÓIDA, O

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Um fato a ser destacado, pela quase total impossibilidade de acontecer, é a atitude do Zé Morróida. Esse mequetrefe, menos de 30 anos de idade, veio sabe-se lá de onde, desembarcou no Terminal Rodoviário José Rangel e nas redondezas da Lagoa Grande resolveu estabelecer uma moradia temporária. E por ali ficou um baita tempo vivendo na base da cachaça e importunando os transeuntes com seus novos amigos¹. Até que, certo dia, totalmente trêbado, tropeçou num cachorro e este, que hoje não é mais cachorro, é pet, se mandou ganindo. Por azar do Zé, uma dondoca viu aquilo e logo imaginou uma agressão ao cão, quer dizer, pet. Nessa o ébrio entrou pela tubulação, sendo preso e trancafiado ficou um mês.

Agora vem o fato a ser destacado, pela quase total impossibilidade de acontecer. É que o Zé Morróida, solto, resolveu que precisava tomar um jeito na vida. A primeira providência foi parar de beber e arranjar um emprego. Ô decisão difícil! Procurou uma das instituições de apoio a moradores de rua, se arrumou e foi à luta. Começou pelo comércio do Centro. A cada visita, recebia um não clamoroso. Afinal, o Zé não sabia fazer absolutamente nada e, já no segundo dia, começou a lhe acometer uma tremedeira tremenda, uma necessidade monstruosa de tomar cachaça.

Nas suas andanças, passou a reparar que muitas lojas tinha um pequeno aviso na porta de vidro da entrada, uma espécie, para ele, de convite para determinada pessoa entrar. Essas, ele evitava, porque não tinha nada a ver com ele. No terceiro dia, o homem começou a ficar irritado e quando recebia um não deixava o comércio soltando alguns palavrões. No quarto dia, graças, recebeu de uma loja a incumbência de, apenas, limpar todo o interior por módicos 20 reais. Ele encarou, mas no meio do serviço, veio-lhe uma fraqueza e uma vontade louca de tomar cachaça. Largou tudo, saiu correndo em direção à Lagoa Grande para ver se conseguia uns goles com seus amigos. Não os encontrou e foi para o abrigo, com dores absurdas nas tripas.

No outro dia, devidamente alimentado, resolveu que era a última tentativa. Numa das lojas da Rua José de Santana, leu bem o pequeno aviso “entre, ar condicionado” na porta de vidro e entrou bufando dizendo para a atendente:

– Olha aqui, eu sei que vocês só convidam pra entrar esse tal de Ar Condicionado, e eu nem sei quem é esse tal de Ar Condicionado, e mesmo eu não sendo esse tal de Ar Condicionado, resolvi entrar assim mesmo, sem ser convidado, porque, pelamordedeus, arruma qualquer coisa prêu fazer ou então, mais pelamordedeus ainda, me arrume uns trocados prêu tomar uma cachaça senão morro e nunca vou conhecer esse tal de Ar Condicionado que é tanto convidado a entrar num mundaréu de lojas.

De dó, ou quem sabe por medo, a atendente lhe deu dez reais e o Zé saiu em disparada à Lagoa Grande, e lá, desta vez, para sua alegria, encontrou seus amigos. E por lá ficou!

* 1: Leia “Zé Morróida” e saiba o porque do nome.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.

Compartilhe