MINHA DOCE HELÔ

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TEXTO: MARIA LUÍZA (1937)

Nossa terra natal está se transformando dia a dia. Tudo aqui vai em grande animação, menos os moços e as moças, que continuam na velha casmurrice de todos os tempos. A tristeza, a falta de convivência, a escassez do riso são ainda o característico de nossa gente. Não existem clubes desportivos, pouca música se ouve, nem há brinquedos ou reuniões familiares. Há muita gente de fora, grande animação comercial. A vida plena e radiosa da juventude inexiste em Patos. Imagine você que até o Vesperal Club¹ está agonizante, chorando a ausência do seu diretor que partiu inesperadamente para a Capital em busca de outra vida.

A Iracema Beluco, se quisesse, é quem poderia arcar com o peso da Presidência, você não acha? Não se engane, minha boa amiga, mas o coreto² ainda não foi construído. E a primavera vem aí, nem tudo são flores, como para enfeitar catacumbas, porque sem a atração da música que enerva, mas, tonifica a alma, nós continuaremos enclausuradas, definhando de melancolia. As festas na Escola Normal já desapareceram. Aquelas partidas de futebol de buscar “a madrinha” em casa, tão ridículas e antiquadas já me dão saudades. Ao menos eram festas, com hurras e discursos de estudantes. Hoje que há mais gente, aumentou a tristeza. Nossa terra não permite que outra lhe conquiste a glória de ser triste. O “vai vem” da mistura, da deselegância e da insipidez ainda continua menos interessante cada dia que passa. As moças “chiques” fogem dele e se escondem no interior das salas para cavaquear como se fossem velhinhas desiludidas. Por aqui tudo é pó. Ao invés de caminhão para irrigar as ruas, assistimos, pela manhã e à tarde, ao desgracioso espetáculo dos negociantes que moram nas esquinas a esguichar a água das mangueiras para apagar o pó tenuíssimo. Mas, mesmo assim, a nossa terra é a suprema esperança de muita gente. Venha ver a nossa tristeza, nossa poeira, o jardim de congorsas³ sem coreto e sem música. Se você vier será mais uma voz para testemunhar comigo o canto da imensa solidão, num lugar onde se deveriam ouvir os cânticos da alegria estupenda.

Sua amiguinha,

Maria Luíza.

* 1: Foi o precursor dos clubes patenses, fundado por rapazes e moças da sociedade em 1936. Apesar de clube organizado, não possuía sede fixa. Promovia festas e brincadeiras de salão, e bailes, nas residências de famílias dos sócios. Entre as partes recreativas, organizavam excursões e piqueniques com freqüência. Seu único presidente foi o Dr. Rasmo Rocha.

* 2: Curiosa esta afirmação, pois o 1.º coreto foi inaugurado em 24 de dezembro de 1912 no então Largo do Rosário, entre as Ruas Olegário Maciel e José de Santana. Era um recanto adorável e que se constituía no ponto obrigatório para os passeios das noites enluaradas. Nele, aos sábados e domingos, tocava a Banda de Música do Maestro Randolfo Campos e seus filhos, desfilando lindos dobrados e românticas valsas. Leia “Inaugurado o 1.º Coreto – 24/12/1912”, “Coreto de 1916” e “Coreto de 1916 Murado”). A não ser que naquele ano de 1937 o citado 1.º coreto já não existisse mais.

* 3: Congorsa ou boa-tarde, é o nome comum de uma planta da família das Apocináceas, gênero Vinca, de flores azuis.

* Fontes: Texto publicado na edição de 25 de julho de 1937 do jornal Folha de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam; Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello.

* Foto: Sonhosalma.blogspot, meramente ilustrativa.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

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