ALTINO CAIXETA DE CASTRO − UMA SURPRESA POÉTICA EM MINAS

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Altino Caixeta, o Leão de Formosa, é um fenômeno poético. Com Adélia Prado e Manoel de Barros, compõe o surpreendente triângulo literário que desloca para o Interior do País o que há de desconcertante na poesia nacional. Adélia, lá em Divinópolis, revelou em sua poesia uma mulher brasileira, uma cena doméstica e uma vivência interiorana, mística e erótica. Manoel de Barros, lá no Mato Grosso, redescobriu os bichos, os insetos, a observação rupestre, olhando a natureza como se fosse um Ovídio exilado nos trópicos. Altino Caixeta (vejam só que nome estranho! e mais estranho ainda o epíteto que se dá − Leão de Formosa), lá em Patos de Minas, apresenta-se como um leitor/escritor, capaz de citar Breton ou Jarry, falar sobre a obra de Umberto Eco ou Foucault, Paul Celan, Ugo Betti ou Mário Faustino com as virtualidades de um repentista erudito.

Como Adélia e Manoel, Altino surge maduro. Maduríssimo. Está com 74 anos. E mais: está com sua obra praticamente pronta, completa. Ficou esse tempo todo morejando lá no Interior, curtindo e esculpindo seus versos, afastado espacialmente da vida literária que corria pelo País. Ele, por sua parte, ia assimilando tudo, mesmo à distância, como um leitor avaro e exigente.

Não o conheço pessoalmente. Sei que é farmacêutico e o papo mais salutar de sua aldeia. É aí o oráculo, o vate, o contador de casos, o sedutor. O poeta primitivo e civilizado: porque lá de Patos de Minas acompanha tudo. Seus juízos sobre Octávio Paz são corretos. Sua crítica ao Concretismo é pertinente. Conhece a pintura clássica de tanto estudá-la nos livros. E é capaz de largar a conferência de um intelectual famoso no meio, como aconteceu quando assistia Hernani Cidade, em Brasília, ao notar que o conferencista ao invés de falar sobre a questão essencial em Fernando Pessoa, começou a contar casos sobre o poeta. Caixeta queria juízo crítico e não causos sobre o escritor.

Não sei como o leitor deveria começar a ler o poeta. Pego ao acaso um de seus poemas, A Palavra Ousada. É isto, Altino Caixeta é o poeta da palavra ousada, com fino pensamento sobre o próprio fazer poético:

Que coisa mais misteriosa é a palavra,
principalmente, o substantivo movido
pelo verbo, eu posso dizer: eu moro
nos subúrbios soberbos de Uberaba, eu
moro nos subúrbios soberbos de teu
umbigo, eu moro nos subúrbios soberbos
de teus ombros, eu moro nos subúrbios
soberbos dos teus lábios, entretanto,
eu não moro, mas eu ouso dizer: que
coisa mais misteriosa é a minha prosa
movida pelo moinho de vento soberbo de
teu verbo.

Sua dicção é totalmente pessoal. Caminha entre a prosa e a poesia com desenvoltura. Se apropria de tudo que as vanguardas fizeram com o verso e e faz do verso o que bem quer, sem preconceitos. Pode, por exemplo, fazer sonetos, lembrando o melhor Jorge de Lima, ou pode retomar um tema tantas vezes usado em Literatura com originalidade e maestria, como ao falar de certo galo literário.

Galo de Pirapora
(Para uma briga de galos na Literatura)

Com sete estrelas dalva na garganta
Aquele galo preto ao ver a aurora
Tatala as asas, rufla-as, bate a espora,
Tenor da noite e das estrelas, canta.

A rubra crista relampeja agora
Na noite de si mesmo que o suplanta.
Aquele galo preto quando canta
Bate o bico no céu de Pirapora.

Seu canto cai nas águas rio abaixo,
É um galo conhecido, é um galo macho,
Madrugador e marcador das horas.
Ele é o relógio ali das madrugadas,
Rufa o tambor das asas assustadas,
Bate o bico de bronze nas auroras.

Tendo um arranco surrealista, como no texto que assim começa a homenagear Jacques Prévert: “Um pássaro/vestido de gaiola/não pode atravessar/as grades eólias”, é também um poeta construtivista, como em Declinação do Pathos onde retoma implicitamente o jogo de palavras com sua cidade natal − Patos¹, e nesse espaço semântico-existencial se situa como poeta.

Pastor do pathos: inversor do canto.
Pastor do pathos: inversor do inverso.
Pastor do pathos: inversor da rosa.
Pastor do pathos: inversor do invento.
Pastor do pathos: inversor da errância.
Pastor do pathos: inversor dos deuses.
Pastor do pathos: inversor do espanto.

A rigor, o Leão de Formosa é um devorador de textos literários. A vida lhe entra pelas palavras. É um reescrevedor de poemas e imagens, como se fosse um instrumentista de jazz retomando temas e desenvolvendo-os. Por isto, pode fazer um poema lembrando o Se, de Kipling, cujo título e primeira estrofe são assim:

E se eu não puder pôr um beijo de sol na tua boca
de luz?
E se eu não puder pôr um beijo de luz no teu sonho?
E se eu não puder pôr um beijo de pó no teu silêncio?
E seu eu não puder semear na tua seara e na tua carne?
E se eu não puder usufruir da gleba dos vinhedos?
E se eu não puder pisar contigo no lagar?
E se eu não puder beber no mosto o vinho do teu
rosto?
E se eu não puder reflorescer a vinha?
E se eu não puder invadir os Campos de Nabor?
E se eu não puder dormir com Abisag de Sunan?
E se eu não puder?
Então não serei um homem,
Nem serás uma mulher.

Me lembra quando eu morava em Belo Horizonte e adolescente conversava com Waldemar Versiani, um fino estilista já reconhecido, e quando ouvia Arthur Versiani Veloso, ambos contando casos do Interior de Minas, me lembro que falavam como era comum encontra-se pelo Interior alguns fazendeiros com formação humanística, muitos dos quais sabendo ler e escrever Latim e com cursos na Sourbonne.

Não sei muito sobre Altino Caixeta, mas ele me parece pertencer a essa mesma família de leitores/autores sofisticados, que da janela do Interior reescrevem e reinterpretam o mundo com uma alma visceralmente cosmopolita. Por isso é preciso lê-lo e resgatá-lo.

* 1: Altino nasceu no então distrito de Lagoa Formosa em 04 de agosto de 1916. Em 30 de dezembro de 1962, através da lei estadual n.º 2.764, o distrito desmembrou-se de Patos de Minas tornando-se Município. Altino faleceu em 28 de junho de 1995.

* Fonte: Texto de Affonso Romano de Sant’Anna publicado na edição n.º 1.165 de 18 de maio de 1991 do Suplemento Literário do Minas Gerais, do arquivo de Eitel Teixeira Dannemann, doação de Wilson Caixeta.

* Foto: Edição n.º1.165 de 18 de maio de 1991 do Suplemento Literário do Minas Gerais, página 1.

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