JERÔNIMO DIAS MACIEL − UM ANO DE FALECIMENTO/1

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Na sua campa o Trabalho esparge petalas de goivos e derrama lagrimas de immorredoura saudade.

Ha homens que pelos serviços prestados a patria, pelos beneficios prestados a humanidade tornam-se credores dos vivas das gerações futuras; elles deixaram para sempre de serem obscuros; ha um anno sumiu-se no ocaso honroso de um tumulo um destes homens; si é verdade que a alma ao desprender-se do seu casulo de argila paire nas regiões sideraes a espera da hora apocalyptica dos mundos, acceite o illustre finado o desafogo de nossas saudades e nestes ligeiros traços biographicos a prova de quanto sua memoria é venerada no seio deste povo que tanto estremeceu.

Todos os annos a dois de Novembro iremos todos em romaria santa ao mausoleu em que repousas depositar a offerta do incenço da saudade, porque esta é mais dos que ficam do que dos que partem, para quem parte talvez lhe brote um mundo immenso de eternal ventura do seio da funerea lage, disse o grande Alexandre Herculano que Deus sabe o destino de cada homem; para aquelles que repousam sei-o eu existe só na terra o esquecimento; para definir aquelle que sumiu-se nas brumas da eternidade, só poderia dizer fazendo minhas phrases de outrem, morto parece maior do que vivo; a modestia e a dignidade que o caracterisou na vida sem affectação e sem altivez, são as maiores aureolas, que circundam o seu nome venerando, columna de luz que nessa terra guiou o espirito doentio dos fracos e robusteceu o dos fortes, foi a estrella de primeira grandeza na morte, ahi estão os seus feitos para provar cabalmente o quanto de nobre se aninhava em seu coração, o quanto de fecundo se aninhava em sua intelligencia ou por outra no seu cerebro, centro desse systhema nervoso que devia matal-o.

Para que a memoria de quem tanto trabalhou viva perpetuamente não é preciso que a rapsodia nacional, o conduza de envolta, com as edades porvir, nos canticos de sua inspiração poetica; basta que se pronuncie, na praça publica, o seu nome, para que o echo das multidôes, o repita cobrindo de bençãos.

Já que a mão impiedosa da morte, arrebatou-o aos carinhos da esposa santa, aos estremecidos filhos, aos amigos sinceros, deixando após si, a orphandade com todo o seu cortejo de desolação e de triteza; já que delle só resta, para o Creador uma alma, para a posteridade um nome, que a saudade para sempre burilou, no quadro nebuloso dos finados, choremos deante desta terra de fresco revolvida, ao lado das casuarinas e dos cyprestes, o amigo que tombou na campa, evolando-se sua alma as regiões ethereas do infinito, e ficando tristes despojos, para saciar a fome do coração.

Parece, que neste começo de seculo, si vão apagando as ultimas fibras de nosso coração exangue; de todos os lados, vão cahindo os homens eminentes como arvores seculares aos golpes do machado de robusto lenhador, parece que voltamos aos tempos, como já disse alguem, em que a Igreja innoculara no espirito doentio dos fracos, que o mundo phisico attingia o seu fim, que a seiva parava de correr no tecido das plantas, que os rios seccaram nas fontes, que o sol apagava-se ao nascer; só as aves agoureiras atravessavam o espaço, no vôo tétrico de mensageiras da morte. Felizes daquelles que, como Horacio puderam dizer na vida: “Construi um monumento mais durável que o bronze, e maior dos que as pyramides”.

Quem foi o Major Jeronymo Dias? Podia aprender de vós e não vós de nós; que o digam os velhos que foram seus amigos de infancia, seus companheiros de todos os tempos.

Nascido a 3 de fevereiro de 1831, em Bom Despacho, termo de Pitanguy, era filho legitimo do Capm. Antonio Dias Maciel e D. Maria Rosa da Silva Capanema; orphão em tenra idade, desde cedo, mostrou predilecção pelas lettras; em 56 cursou aula de linguas em Pitanguy, tendo obtido diploma para ensinal-as, o que fez em Bom Despacho, tratando desta sorte da educação da mocidade. Tendo transferido residencia para Patos, dedicou-se a politica com afinco, sendo um dos liberaes enragés daquelle tempo. A politica collocou-a elle em uma aresta diamantina, e sempre a teve, como hygienie das massas.

Concorreu para a creação da villa de Patos juntamente com o Cel. Antonio Dias Maciel.

Occupou diversos cargos, por diversas vezes, com proficiencia e zelo.

O cargo em que mais se salientou, onde gastou toda sua mocidade, todos os recursos de sua intelligencia, até a seiva de sua vida, foi o de Presidente e Agente Executivo Municipal, desde 68.

Si 40 annos de bem servir á patria e a humanidade, foram o santelmo de um bravo, que tombou na campa, o povo de Patos, por um sentimento de gratidão imperecivel, deve mandar collocar o seu retrato no Paço da Camara Municipal, que elle tanto zelou, e pela qual deixou muita vez o doce aconchego do lar. Suas eleições e reeleições successivas nos cargos publicos, suas nomeações nos cargos administrativos, são outros padrões de gloria que tornam-lhe a memoria veneranda. Neste momento a Republica e a Patria desgrenhadas, soluçam de joelhos, deante do tumulo do grande cidadão. Quando alguem perguntar, o que resta do esposo, do pae, do amigo, do concidadão, daquella cabeça onde fervilhavam os pensamentos do bem e a noção do dever? Respondereis que apenas um craneo vazio. Daquelle coração que tantas vezes palpitou, daquelle peito que tantas vezes gemeu pela causa santa da Patria? Restanos apenas o esqueleto de um thorax.

Como homem particular, quem foi o Major Jeronymo Dias? Como esposo e pae elle foi sem jaça, que o digam seus illustres filhos e a cândida esposa, que elle tanto venerou e tanto estremeceu; hoje que faz um anno que os seus olhos cansados e gastos se foram cerrar na morte, façamos justiça, em deredor do epitaphio de um morto e da inscrição funerária, que mão piedosa ahi houvera gravado. Como amigo, foi sempre a arvore, a cuja sombra, os desgraçados, sempre encontraram acolhimento; onde existia uma dôr a minorar, um soffrimento a consolar, ahi sempre estava elle; as palavras que sahiam de seus labios, eram lenitivo, para muitos espiritos ulcerados. Alliviava os enfermos, consolava os afflictos.

Muita vez, desceu ao tugurio do pobre pela calada noite para mitigar-lhe os sofrimentos dando-lhe as consolações de seu coração bemfasejo.

Que melhor corôa de perpetuas, que a feita das gottas das lagrimas dos pobres que tanto o prantearam, e daquelles a quem a sorte foi adversa.

Paremos aqui, o nosso espirito está alquebrado por estas recordações, que ha um anno eram comnosco e hoje estão na eternidade.

Na immensa chronologia de seus feitos, quanta persistencia e quanta fadiga, que poema e que historia.

Descança em paz, cedro robusto, que como tronco menos dobradiço resististes ao esbater dos favonios, tombaste porem ao golpe instantaneo do raio.

Dr. E. J. Rodrigues.

* Fonte: Texto de Euphrasio José Rodrigues publicado com o título “Homenagem d’O Trabalho a’ Memoria do Major Jeronymo Dias Maciel − Fallecido a 13 de agosto de 1906” da edição de 13 de agosto de 1907 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Do livro Domínios de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.

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