Não faz muito tempo, questão de pouco mais de vinte anos, o Olavo era considerado o sujeito mais otimista da Cidade. Era, porque o distinto se mudou eternamente para o Cemitério Santa Cruz. E nesse quesito, ele dizia que se um dia fosse para lá, tinha certeza absoluta que nunca mais sairia. Conhecido no Bairro Alvorada onde morou a vida toda como Zé Chumbrega, pois como pintor era um ótimo marceneiro, não tinha situação para ele, por pior que fosse, que não encontrasse um motivo para dizer: Poderia ter sido pior. Tipo assim:
– Zé, depois de três dias de chuva, quantos estragos, né.
– Poderia ter sido pior se tivesse caído raios.
Não tinha jeito: para qualquer situação, lá vinha ele com o fatídico poderia ter sido pior e o consequente motivo. Nessa, seus muitos amigos já estavam naquela de perderem a paciência com ele, pois estando o Zé Chumbrega participando de qualquer bate-papo a turma se via obrigada a ouvir o poderia ter sido pior e o tal consequente motivo. Então, resolveram inventar uma história muito triste sobre algum conhecido morador do bairro que não permitisse o poderia ter sido pior. Numa roda de conversa num bar da Avenida Tomaz de Aquino, aplicaram a tática:
– Zé, soube o que foi que aconteceu com o Tonho da Martinha?
– Sei não.
– Ele estava viajando e ficou de voltar hoje, mas antecipou a volta, e chegando em casa encontrou a Martinha com um homem na cama no maior fuzuê. Cara, ele matou os dois e depois suicidou-se com três tiros na cabeça.
– Peraí, o Tonho suicidou com três tiros na cabeça? Que bobagem é essa, onde já se viu alguém conseguir dar três tiros na própria cabeça?
– Ora Zé, dane-se quantos tiros aconteceu no suicídio do Tonho, o que importa é que antes ele matou a esposa e o amante e depois tirou a própria vida. É ou não é uma tragédia?
O Zé se levantou da roda de conversa, andou em volta da turma durante um minuto com um semblante deveras pensativo, sentou-se e falou:
– É, foi mesmo uma tragédia, coitado do Tonho e da Martinha, mas poderia ter sido pior.
– Zé do céu, o que poderia haver pior que isso?
– É que se tivesse acontecido anteontem, quem estaria morto era eu.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 02/02/2013 com o título “Avenida Paracatu na Década de 1920”.