Em qualquer lugar do mundo a jogatina é tão comum quanto uma laranjeira produzir laranja. Desde os idos tempos essa regra não foi quebrada por aqui. Artigos de jornais sobre o assunto têm aos montes¹. Como parte inseparável da jogatina está o sapeador, aquele que pratica o verbo transitivo direto sapear, que em se tratando de jogatina significa observar sem tomar parte. É justamente isso que faz o sapeador: fica zanzando entre as mesas dos carteados ansiosamente se emocionando com as estratégias dos jogadores.
Lá pela década de 1970 havia uma casa de jogos no Bairro Santo Antônio, onde o pôquer era o carro-chefe. Local simplesinho frequentado por gente simplesinha que de tanto perder deixava de ser simplesinha para ser nada, pois muitos ficavam só com a cueca. E foi lá nessa casa que aconteceu o caso de um sapeador − por aqui também conhecido como sapo de baralho − que ultrapassou o limite da insanidade.
Numa das mesas, o jogador A já tinha perdido a bicicleta que o levava ao trabalho, a vitrola Philips que havia dado de presente à esposa e o relógio Seiko que ganhou de presente da esposa. Mas a volúpia era tamanha que o sujeito não conseguia parar. Mesmo já imaginando as explicações em casa para as perdas, resolveu uma última cartada. Enquanto isso, o sapo já tinha roído as unhas de tanta emoção.
Cartas nas mãos, o jogador A se emocionou quando se viu frente a frente com a sequência e, num gesto de loucura, desafiou:
– Minha casa e o que já perdi contra a sua casa.
O jogador B o olhou com um sorriso irônico, jogou suas cartas na mesa e venceu. O perdedor foi até sua casa buscar a escritura. Mas não voltou com a escritura, e sim com um revólver que logo apontou para a própria cabeça dizendo:
– A casinha da minha família, o único bem que eles têm, você vai ter buscar no inferno.
E se suicidou. Enquanto o sapeador e demais presentes se desesperavam, o vencedor pegou o revólver, apontou para a sua própria cabeça e declarou:
– Pois se é assim, vou lá pegar.
E também se suicidou. Pânico no local. O sapeador corria de um lado para outro, consternado, olhando aquela dramática cena. De tão eufórico e decepcionado com o que havia acontecido, ele resolveu ultrapassar o limite da insanidade. Pegou o revolver, apontou para a própria cabeça e disse em alto e bom som:
– Não posso perder essa final de jeito algum.
E também se suicidou. Dizem que foi noticiado nos jornais da época que uma briga generalizada numa casa de jogos resultou em três mortes.
* 1: Leia “Jogatina”, “Jogatina em 1906”, “Jogatina em 1911”, “Jogatina em 1916”, “Jogatina em 1955” e “Contravenção de Delegado em 1911”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 02/02/2013 com o título “Avenida Paracatu na Década de 1920”.