TEXTO: JORNAL O TRABALHO (1909)
Por mais de uma vez temos trazido ás columnas do “O Trabalho”, assumptos deste jaez, e, por hoje, fallaremos da higyene auricular infantil − materia, em extremo, desprezada e que deve, no entanto, merecer de todos a mesma cultura que as outras partes sciencia da saude. Todos tratam dos dentes, mas quem se occupa com os ouvidos? Ha pessôas que se tornaram momentaneamente surdas por lhes esquecerem que, com o correr do tempo forma-se uma rolha de cerumen que lhes tira a faculdade de ouvir. Não ha quem se lembre que existe uma higyene do ouvido, do mesmo modo que uma higyene da bocca.
A surdez naturalmente é tão commum que, de três pessoas tomadas ao accaso, ha pelo menos uma que ouve mal.
Não se nasce surdo, fica-se surdo; e, a mais das vezes, se é surdo sem sabel-o, e, quando se dá fé, já é tarde e o mal é irremediavel.
Tomemos uma creança de collo: quando na idade de seis meses conserva-se insensivel aos ruidos que se lhes fazem em torno, é que se despresou uma otite (inflamação). Durante o banho quotidiano, quantas vezes não acontece deixar-se penetrar a agua de sabão no ouvido ou nariz da creança, a pretexto de bem laval-os; nada é mais perigoso. A limpeza brutal é mui freguente do conducto auditivo não é menos perigoso.
As toucas muito apertadas achatam o pavilhão do ouvido e provocam uma humidade que determina a inflamação (intertrigos) do sulco retro-auricular. O menor defluxo (cerysa) é uma causa banal da surdi-mudez nas creanças e o que a principio se julga de nascença. Para se distrahir ou acalentar a creança, as amas batem palmás, determinam ruidos violentos que podem produzir rupturas ou vibrações perigosas. É necessario precaver-se, pois, contra os tiros, sibilos, musica e outras causas de grandes ruidos.
O ouvido, disse engenhozamente o Dr. Lermoyex, não tem palpebras para protegel-o contra a excitações violentas que o offendem. Alguns paes têm o máo costume puchar as orelhas da creança, ou de esbofeteal-a nos ouvidos: é uma brutalidade que pode ter consequencias graves. Por brincadeira sopra-se muitas vezes no ouvido de alguem, pode-se assim quebrar o tympano originando-se disso outros males. E’ condemnavel fazer-se a limpeza do conducto com o limpa-ouvidos, porque em geral, é um apparelho poluido e não manejado com cautela arranha a membrana; devem evitar-se as irrigações repetidas que provocam a maceração da membrana; recear o emprego de oleos vegetaes que rançam. A limpeza do ouvido deve ser feita, antes, de longe em longe, com um palito phosphorico em cuja extremidade esteja enrolado um pedaço de algodão hydrophilo, excedendo bastante o seu comprimento e molhado em glycerina. Não empregar injecções medicamentosas ou não que penetram violentamente e recalçam no ouvido medio os productos scepticos. Para assoar-se, não fazel-o com violencia, mas successivamente por uma só narina, tendo a outra fechada com o lenço.
Como tudo se relaciona entre si, é preciso contrahir o habito de limpar os dentes, a bocca e o nariz.
Nas escolas, muitos alumnos máos, são creanças de ouvidos doentes. É máo o habito de trazer o ouvido tapado de algodão que entretem a humidade e produz furunculos.
Aos adultos, quando fumarem, não devem lançar a fumar pelo nariz.
O excesso de trabalho intellectual predispõe tambem á surdez, da mesma forma que a violencia dos ruidos dos caldeireiros, operarios de officinas, etc.
São conselhos dignos de reflexão por parte das mães e de serem conhecidos no interesse das crianças e adultos.
* Fonte: Texto publicado com o título “Conselhos Hygienicos” e subtítulo “Ás Mães de Familias” na edição de 31 de janeiro de 1909 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.
* Foto: Clipartquery.com, meramente ilustrativa.