Sou do tempo da Rua Nova da Lagoa¹. Eram duas lagoas. Aqui onde fui erguida era uma delas, um lindo espelho d’água que os primeiros forasteiros escolheram para construir suas residências. Perto daqui surgiu um sítio que os historiadores denominam Os Patos, nome escolhido sabe-se lá por quem por causa da quantidade enorme dos tais palmípedes que habitavam a região. Aí foi chegando gente, se estabelecendo no entorno e o sítio se transformou numa povoação. Aí o trem foi crescendo, crescendo, e como sempre acontece onde tem gente, vem a destruição da natureza. E a lagoa se foi, ocupada por casas. Nasceu então o Bairro da Lagoa, o que não dá para compreender, pois já não existia a lagoa, que hoje é o Bairro Rosário. Milagre, um verdadeiro milagre, a outra lagoa, conhecida por Lagoinha, conseguiu sobreviver. Ora bolas, o que é que eu tenho com isso? Nadica de nada. Só sei que fui erguida nesta tal de Rua Nova da Lagoa que começa ao lado da Lagoinha, cruza a Avenida Paracatu e termina um pouco depois de mim, na Rua Alfredo Borges. Por falar em terminar, olhe bem para mim. Que tal? Dá para desconfiar o que vai acontecer comigo? Vem dar um rolé por aqui, vem. Talvez você se lembre de um sebo de livros e discos que funcionava logo ali. Sabe o que virou? Um edifício! Olhe bem em volta, repare na quantidade de casas mal cuidadas só esperando a sua vez para dar lugar a um edifício. Serei eu a próxima? Ó dúvida cruel, ó desespero. Se não existisse esse desespero dentro de mim, ainda teria esperanças. Eu queria que isso tudo fosse apenas um pesadelo, que as almas que me habitavam estão apenas numa longa viagem e que um dia voltarão. Mas o que me domina é o pressentimento da verdade de que vou morrer antes do tempo. Cada dia para mim começa com a sensação de ouvir máquinas e pessoas vindo para me derrubar. Fazer o que? Apenas partir para o sono eterno com a certeza de que desde o primeiro tijolo assentado passei a pertencer à História de Patos de Minas. E deixarei saudade!
* 1: O logradouro teve esse nome até 09 de junho de 1965, alterado para Rua Anicésio Vieira através da Lei n.º 811. Em 22 de outubro de 2012, a Lei n.º 6.616 ratificou o nome para toda a sua extensão.
* Texto e foto (15/12/2017): Eitel Teixeira Dannemann.