Tem um cidadão muito conhecido que zanza pelo centro e principalmente pelas imediações do Pátio Central Shopping, inclusive nele, falando com o vento e com entidades invisíveis. Geralmente está com um paletó muito do rodado e com uma barba grisalha. É totalmente inofensivo e, a maioria das vezes, muito engraçado, principalmente quando fica a conversar com seu acompanhante.
Uma amiga minha, dona de uma butique na Rua José de Santana, contou-me que certa vez o tal sujeito chegou à frente da loja e ficou parado um tempão. Foi assim durante uma semana. Ele chegava, parava em frente à porta de vidro e lá ficava uns bons minutos conversando com o seu amigo invisível. Depois se mandava. Houve um dia em que o fato se diferenciou: ele levou a mão à porta para abri-la, empurrou um pouquinho e desistiu em seguida. Assim foi durante uma semana: ele empurrava a porta um pouquinho, não entrava e logo ia embora. Até que um dia finalmente empurrou a porta e entrou.
Foi um lance de grande expectativa, pois após uma semana só olhando, outra semana só empurrando a porta e eia que agora ele criara coragem para entrar. Como os funcionários o conheciam muito bem não falaram nada com ele. E ele dava a impressão de que não via ninguém dentro da loja, a não ser o seu amigo invisível, com quem travava uma conversa entusiasmada. Depois de alguns minutos conversando com o além, olhou para todos os lados e saiu. No outro dia, a mesma coisa. As visitas diárias, exceto aos sábados, já duravam duas semanas, até que o pessoal da loja começou a ficar preocupado. É, o cara é inofensivo, mas, sei lá, né! Então a proprietária resolveu interpelá-lo:
– Boa tarde, fulano, tudo bem?
– Oi, eh, eh, eh, legal.
– O senhor está precisando de alguma coisa?
– Eu, eh, eh, eh, de nada.
– Tem alguma coisa aqui da qual o senhor gosta?
– Eh, eh, eh, tem nada não.
– Não estou entendendo!
– Eh, eh, eh.
– Se não tem nada que lhe agrada aqui, por que todo dia o senhor entra na nossa loja? É alguma menina daqui que o senhor gosta?
– Nada disso, eh, eh, eh.
– Mas, então por que, afinal, todo dia o senhor vem aqui?
– Eh, eh, eh, é por causa do que está escrito na porta.
– Escrito na porta?
O homem se virou para sair e fez um gesto para a proprietária, chamando-a, para lhe mostrar que escrito era aquele. Ela foi conferir.
– É esse aqui, eh, eh, eh. É por causa dele que todo dia venho aqui.
Na porta de vidro da entrada da loja havia os seguintes dizeres: ENTRE, AR REFRIGERADO.
A amiga me contou que esta foi a sua última visita. Ela não sabe explicar o motivo do sumiço do homem. Eu arrisquei um palpite dizendo que, talvez, ele tenha ficado constrangido com a intervenção. É, sei lá, deixa pra lá. Não faz muito tempo o vi sentado num banco ao lado do busto de Olegário Dias Maciel batendo um papão com o seu amigo invisível e, quiçá, com o próprio Olegário.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.