OLHAR AGUÇADO DA GAROTINHA

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Acredito que todos nós somos mais do que cientes do cuidado a ser tomado ao conversar na frente de crianças e, muito pior, praticar certos exercícios sem ter a certeza absoluta de que não há nenhuma delas por perto. Pois bem, um dia estava eu lá pras bandas da Praça do Rosário debaixo de uma marquise esperando a chuva passar.  Ao meu lado estava uma mamãe zelosa com sua cria muito bonitinha, de seus lá 5 anos, por aí. Faço uma pequena pausa para dizer que a garotinha era realmente uma gracinha e com uma raríssima qualidade nos dias de hoje: serenidade. O que quero dizer com isso? Quero dizer que a gracinha ficava ao lado da mãe – que reparei melhor constatando imediatamente que quase sempre a genética tem razão – quietinha, sossegada, só manjando o ambiente.

Um pouco mais à frente que nós e outros que igualmente esperavam a chuva serenar, uma cadela representante do BDR (Bloco dos Desvalidos da Rua) praticava o mesmo lazer, deitada lá, totalmente pasmacenta e… logo percebi, no cio. Corri o olho em volta e não deu outra: um macho já tinha percebido de longe e tratou logo de garantir o petisco, tentando chegar à frente dos concorrentes que fatalmente viriam. Poderoso que era, ele chegou e primeiro veio a característica cheiração de rabistecos. Logo se impôs e partiu para manifestações mais ousadas, que a gente sabe quais são em se tratando de quando se encontram um macho querendo e uma fêmea cedendo. E ali mesmo na calçada, cenas de sexo explícito tornaram o atrativo da tarde chuvosa.

A garotinha grudou os olhos, firmes, atentos e, sorrindo, cutucou a mãe. Esta preocupadíssima em tentar evitar que o filha vislumbrasse aquela cena, colou-a entre suas pernas. Mas a garotinha insistiu até que a mamãe correspondeu:

– Que é, filha?

A garotinha lascou:

– Olha lá, mamãe, aqueles cachorros estão fazendo o mesmo que o papai faz com a senhora.

Nisso, a chuva deu uma trégua. A mamãe, mais vermelha que tomate maduro após reparar nos sorrisos maliciosos à sua volta, se mandou com a filha. O mesmo fiz eu, levando na memória o rostinho inocente daquela criança e a cara de preocupação da mãe já imaginando as perguntas que viriam.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.

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