Estava eu no centro da cidade quando ouvi a voz esganiçada de uma criança de uns quatro anos acompanhada da mãe zelosa. Esta, uma manceba de seus vinte e não muitos anos, carregava uma latinha de refrigerante na mão. Logo percebi que o choro da criança se justificava. Como ela havia derramado o líquido na preciosa roupinha, e isso significava trabalho para a mamãe em casa, ela, a mamãe, tomara a latinha das mãos da criança. Estava explicada a bocarra da catarrenta com sua consequente algazarra. As duas, mãe e filha, cruzaram por mim em frente ao antigo Cine Tupã. A progenitora esforçava-se para não dar uns tabefes na filha e a face da mãe parecia a de uma mulher que acabara de receber a notícia da traição do marido.
Enquanto isso, a bocarra escancarada e o zunido estridente da criança atrapalhavam urubus que plainavam metros e metros acima de nós. Chegou um momento que a mamãe, não aguentando mais o escarcéu, devolveu a latinha à filha. Tentei, mas não consegui encontrar palavras para descrever a felicidade da menininha ao receber o precioso líquido. Parecia até que aquela latinha era a última coisa na vida dela. Candidamente, a garotinha se fartou de mais um gole. E deu-se de novo: roupinha molhada. A mamãe, mais brava que a Tita quando a gente a chamava de louca, apropriou-se indebitamente da latinha das mãos da catarrenta e… e… livrou-se dela em plena calçada ao lado de um coletor de lixo. Imediatamente pegou a filha pelo braço esquerdo e num arranque típico de carros de Fórmula 1 se piruetou pela Rua Olegário Maciel em direção à Praça Abner Afonso, antiga Praça dos Boiadeiros. De prontidão me veio à mente o comentário de um porteiro do edifício onde mora a garbosa Margô, uma dondoca que leva sua cadelinha poodle para emporcalhar o passeio da Avenida Getúlio Vargas¹: – É, meu amigo, acredito que isso nem é mais falta de educação. É falta de cultura mesmo!
* 1: Leia “Falta de Educação da Margô”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.
