Conforme noticiamos em o nosso numero anterior, realizou-se nesta cidade, no dia 5 do corrente, a solenidade da installação do Telephone, comparecendo ao acto avultado numero de familias, representando todas as classes sociaes. A festividade foi abrilhantada pela philarmônica “Fraternidade” que executou bellissimas peças de seu vastissimo repertorio. A reunião teve lugar no Jardim do Rosario¹, onde o Exm.º Dr. Euphrasio Rodrigues pediu a palavra e pronunciou o eloquente discurso seguinte:
Minhas Senhoras. Meus Senhores,
Uma commoção innenarravel de agradecimento, por terdes comparecido a esta festa, se apodera de todo meu ser, a ponto de embargar-me a voz na garganta; e era mesmo melhor deixar a gratidão vagando na immensidade interna de meu ser, do que expol-a em formulas indignas de sua grandesa.
Ha tempos elaborava-se em longa gestação no meu cerebro a idea de traser para esta terra as bençans da civilisação; communiquei esta idea aos meus amigos; si muitos participaram das minhas ideas, mui poucos participaram das minhas esperanças.
Eu não desanimei; nem devia desanimar, desde que li em Vico que o homem fez-se a si mesmo; quereis […]? Permitti que levante a pesada roupagem da historia: Vemos o homem habitando as cavernas, e vemos hoje os palacios da moderna architetura; vemos o homem descobrindo o fogo na fricção de dous pedaços de madeira, e vemos a força do vapor hoje singrando os mares; vemos o tacape e o machado de sílex e vemos as carabinas […] e o canhão Krupp; vemos o dolmen e vemos a basiliez; vemos o hyeroglipho e vemos a imprensa; vemos a tatuagem e vemos a pintura, já que vemos tanta persistencia e tanto trabalho, justo é que não desanimeis como eu não desanimo, e a prova é esta formosíssima vegetação que ahi vedes.
A municipalidade desta terra, foi o formidavel esteio que não deixou ruir por terra o edificio de minha idea; em principio, dirigi-me a […] acolhimento, para a minha idea; achou-a confortavel; ella tomou esta idea em seus braços como se fosse o […] de suas entranhas; o Dr. Marcolino de Barros, mui digno presidente da Municipalidade, juntou-se […] e a mim para nos dar com o seu apoio, força e vigor; o quanto lhe somos agradecidos, dil-o todos os […] de minha vida, prestados até então por uma só forma de conduta.
A’ S. S.ª que está hoje à frente da politica local, aproveitamos o momento para dizer-lhe duas palavras apenas: o meu illustre patricio e amigo, quer alliar a tranquillidade do escriptorio do advogado com a agitação perenne do gabinete do politico: é uma illusão.
Alli no banco do advogado está o manso ribeiro de chrystallinas aguas, tendo às suas margens frondosas arvores, balançadas incessantemente pelo sopro vivificante das brisas: aqui no gabinete do politico existe o mar encapellado pelos ventos de tempestade, ameaçando de morte prematura com o marulho de seus vagalhões.
Ainda é tempo de recuardes, mas se assim o quiserdes me tereis sempre à vosso lado: e quando os nossos bateis desarvorados, zombando da pericia dos pilotos se encontrarem no borrascoso mar da existencia, então saibamos morrer enrolados na mesma bandeira, e servindo-se da phrase de V. Hugo, as nossas almas voem unidas para immensidade, a sombra da minha envolta pela luz da vossa.
Eu agradeço a todos aquelles que concorreram na medida de suas forças para a realisação de minha idea, mesmo porque depois de construido o edificio eu não sou daquelles que despresam os andaimes; noto aqui a falta de algumas pessoas gradas que deveriam comparecer, fosse qual fosse o seu credo politico; Jules Simon querendo criticar amistosamente a abstenção dos conservadores franceses nas cousas de frança, cita-lhes o seguinte fato:
– Estavam em pleno mar, os marinheiros do barco tinham morto o capitão e lançado às ondas e disputavam entre si a posse do leme; os passageiros que eram todos pessoas gradas riam-se e não tomaram parte naquella contenda, ninguem porem se lembrava de notar o estado do céo; eis que nuvens borrascosas vindas das bandas do levante se amontoam e a borrasca se desencadeia fortíssima, sepultando nas aguas tanto marinheiros que lutaram, como passageiros que se abstiveram –, sirva isto de exemplo; o que me preocupa neste momento é o estado do céo.
Refere Lord Palmerston, que existe no mundo duas especies de revolucionarios, na primeira linha, estão os homens de cerebro ardente que lançam mãos das armas, derrubam os governos e as authoridades constituidas, ensanguentam o sólo de sua patria e acarretam para seus compatriotas as mais crueis catastrophes; a segunda linha, estão os homens cegos, animados de velhos prejuisos, que se oppôem a corrente do progresso, até que o descontentamento transborde, aniquilando as instituições; não sei se existem destes revolucionarios aqui; o fato é que existem no mundo. A construcção em Patos da 1.ª linha telephonica vale muito mais do que mostra apparentemente, alem de utilidade imediatista, tem o prestimo de um exemplo que será lembrado, de uma licção que hade ser efficaz; é para a virtualidade fecunda deste emprehendimento, mais do que para seu valor actual que olho nesta hora; que todos colham aqui o […], para progredir e progredir sempre.
A pessoa que viajar nos mares hade ver muitas vezes grandes pharóes, que avisam os navios de um grande perigo, este perigo é constituido pelos bancos, formados pela puncção dos infusorios, pequeninos seres, verdadeiramente microscopicos, e que se unindo obstam a marcha dos navios, que diremos dos homens quando se juntam? Diz o proverbio que da união nasce a força, da desunião a fraquesa.
Vou terminar, pois já estou abusando de vossa captivante attenção. Napoleão na despedida da ilha de Elba deante de seu exercito, que elle tanto amava, lança-se nos braços do general Pitt e diz-lhe estas palavras memoraveis – não posso abraçar-vos a todos, deixem ao menos que eu dê um viva ao povo desta terra opulenta pela sua riqueza, uberrima pela sua fecundidade, ingente pela grandeza de seus filhos. Viva o povo de Patos. Viva a Republica Brazileira.
As ultimas palavras do orador foram abafadas pelo som do Hymno Nacional e pelo espocar de dezenas de foguetes.
Terminado o seu discurso S. Excia. entregou ao Exm.º Dr. Marcolino de Barros, D.D. Presidente e Agente Executivo Municipal, a chave da Estação Telephonica.
De posse da chave, o Exm.º Dr. Marcolino assomou à tribuna e, em eloquentissimo improvisado, falou sobre os desejos de trabalhar e de trabalhar muito em prol de Patos, procurando sempre animar e proteger a iniciativa particular, dizendo que no dia em que elle como Presidente e Agente Executivo Municipal, negar o seu auxilio em beneficio do adeantamento do municipio, neste dia renunciará o cargo.
Declarando instalado o Telephone nesta Cidade, S. Excia. terminou o seu discurso convidando a todos a irem a Estação Telephonica a fim de se lavrarem a acta.
* 1: É onde se localiza hoje o Coreto na Avenida Getúlio Vargas. O local era chamado de Largo do Rosário por causa de uma capela lá existente (leia “Capela do Rosário”) e também por Jardim do Rosário porque no local foi construído um jardim (leia “Sobre o 1.º Coreto e o Jardim Público”).
* Fonte: Texto publicado com o título “Telephone em Patos” na edição de 14 de dezembro de 1913 do jornal O Commercio, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Pictaram.com, meramente ilustrativa.